Agnès Jaoui: 'Tenho um lugar nas telas hoje graçasà insistência'

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Agnès Jaoui canta 'Olhos nos Olhos' num vídeo do YouTube e prepara uma faixa de seu novo disco com canção de Chico Buarque

 

logo que pisou em Cannes, em maio, para promover a estreia de "Esta Minha Vida" ("Ma Vie Ma Gueule") na Quinzena de Cineastas, sua estrela - a atriz, dramaturga, cantora e cineasta indicada ao Oscar Agnès Jaoui - sentiu o peso do luto pela morte da realizadora desse belo filme que a Mostra de São Paulo projeta nesta sexta-feira, às 15h, no CineSesc: Sophie Fillières (1964-2023). Ela morreu sem ver o longa-metragem ser concluído. A finalização foi feita por colaboradores da diretora e Agnès acompanhou o processo de perto.

Nascida em Antony, na França, há 60 anos, essa multiartista europeia já chamou a atenção do Brasil de muitas formas, entre elas um vídeo no YouTube cantando "Olhos nos Olhos", de Chico Buarque, em português (com sotaque). Antes dele, seu nome destacou-se aqui em montagens de peças e na projeção em circuito de "O Gosto dos Outros" (2000), que lhe rendeu uma indicação à estatueta de Hollywood. Sob a direção de Fillières, ela construiu uma performance que brilhou na Croisette.

Não por acaso, Cannes concedeu uma láurea, o Prêmio SACD, a "Esta Minha Vida", que volta a ser exibido na Mostra no sábado, às 17h, no Reserva Cultural SP, e na segunda, às 20h50, no Espaço Augusta.

Nele, Agnès vive Barberie Bichette, conhecida por todos como Barbie. Seu dia a dia sempre foi vitorioso. Bonita e inteligente, ela é uma boa mãe, uma amiga dedicada e uma grande amante. Ao chegar aos 55 anos, ela sente o peso da idade, num reflexo do etarismo do povo francês. Tudo o que anteriormente parecia equilibrado se desfaz, deixando as coisas mais obscuras, violentas e até mesmo absurdas. Passa então a se sentir à beira de um ataque de solidão. Na entrevista a seguir, concedida ao Correio da Manhã à beira da praia, na orla cannoise, La Jaoui fala sobre os atuais projetos que tem e de sua conexão com o Brasil.

Qual é o retrato que "Esta Minha Vida" pinta da realidade feminina francesa de hoje?

Agnès Jaoui: É uma história sobre desconexão. Vivo uma personagem assolada por problemas psicológicos que está buscando seu lugar no mundo. Sophie Fillières, no set, usou muito o plano-sequência para permitir que o público pudesse entender aquela figura em detalhes, na plenitude de sua expressão. Não tinha improvisação, da minha parte, com o roteiro.

"Esta Minha Vida" abriu a Quinzena de Cannes, demarcando a força do cinema francês atual, cinema este que se renovou, aos olhos da cultura pop, em 2000, com o seu "O Gosto dos Outros". Em que pé está essa indústria hoje?

Eu estreei como cineasta em uma fase difícil para nossas telas, quando não havia muito interesse do público pelo que fazíamos. Havia órfãos da Nouvelle Vague, que ainda se fiavam em estéticas dos anos 1960, mas não havia um novo Alain Delon para eles. Como havia um subsídio do governo para estimular a produção, eu segui fazendo, com meus parceiros de criação. Tenho um lugar nas telas hoje graças à insistência.

Onde é que o Brasil, que sempre exibe seus filmes, entra no seu afeto?

Vou gravar uma faixa no meu novo disco cantando Chico Buarque. Trabalhei faz pouco tempo num filme brasileiro, chamado "O Crime do Músico", rodado em Santa Catarina. É a história de um jovem, filho de agricultor, que se encanta pela flauta e passa a experimentar uma realidade diferente daquela que veio. Eu faço uma especialista em ópera. Aqui na França, tem outros projetos a caminho, além desse álbum. Escrevi um roteiro novo, que, como é comum na minha filmografia, terá vários personagens. Estou ainda preparando um livro.