Morre Wladimir Carvalho, aos 89

Cinema brasileiro perde um de seus documentaristas mais relevantes

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Wladimir Carvalho no set de filmagens de 'O País de São Saruê' (1971), um retrato sobre a seca em sua Paraíba natal

Vladimir Carvalho, um dos mais importantes documentaristas brasileiros, morreu na manhã desta quinta-feira (24), aos 89 anos. O cineasta sofreu um infarto em Brasília, foi internado quando seus rins pararam de funcionar e foi submetido a hemodiálise, mas não resistiu. A informação foi confirmada pela família do cineasta.

Um dos maiores nomes do cinema brasileiro, Carvalho produziu mais de dez documentários sobre política e história nacionais em mais de 50 anos de carreira.

"Perdemos um gigante que nos deu 'O País de São Saruê' (1971), entre outras pérolas. Alvejado por patrulhas fardadas muitas vezes, numa carreira iniciada em 1960, Vladimir deu ao cinema nacional um épico, 'Conterrâneos Velhos de Guerra' (1991). Rodou ainda refinados retratos de artistas como o premiado 'Rock Brasília' (2011), sobre Renato Russo (1960-1996), e 'Cícero Dias - O Compadre de Picasso' (2016). Foi professor de muitas vozes autorais do audiovisual brasileiro, como professor da UNB, e, fora de lá, em sua própria casa materna, formou um dos fotógrafos mais respeitados da América Latina: o também cineasta Walter Carvalho, seu irmão mais moço", lamenta Rodrigo Fonseca, crítico de cinema do Correio da Manhã.

E a este jornal, Carvalho concedeu um depoimento contundente durante a pandemia: "Nunca vi o cinema como expressão de um deleite próprio e, sim, como um instrumento de reação, como um veio de participação na sociedade que nos leve à mudança. Eu tive covid e penei com as consequências que essa doença deixa. Uma doença que pode voltar se a gente facilitar pra ela. E isso num momento em que o Brasil vive um inferno. Nós estamos passando por uma situação tão difícil que deixa no artista a sensação de estar indo pra guerra, como se fosse Hemingway indo pro front escrever".

O cineasta nasceu em Itabaiana, na Paraíba, em 1935. Em 1959 começou a trabalhar como crítico em um programa de rádio, "Luzes do Cinema" e, neste mesmo ano, Linduarte Noronha o convida para escrever o roteiro de "Aruanda", do qual também seria assistente de direção, com João Ramiro Mello, em 1960.

Carvalho conheceu Glauber Rocha na Universidade da Bahia, em Salvador, e participou da vertente de documentários do movimento do cinema novo. Produziu seu primeiro filme em 1962, o curta-metragem "Os Romeiros da Guia", feito com João Ramiro.

Foi convidado por Eduardo Coutinho para ser assistente em "Cabra Marcado para Morrer", mas as filmagens foram interrompidas com o golpe militar de abril de 1964. Trabalhou também em "Opinião Pública", de 1966, com Arnaldo Jabor.

Em 1967, o fotógrafo Fernando Duarte lhe convida para realizar o projeto do núcleo de produção de documentários do Centro-Oeste na Universidade de Brasília, onde passou a lecionar.

Sua principal obra é "O País de São Saruê", sobre as secas constantes na região de Rio do Peixe, na Paraíba, de 1971.

Criou a Fundação Cinememória, que abriga todo seu acervo -que conta com 23 títulos de documentários, mais de 5.000 livros, equipamentos de projeção cinematográfica, fotos, roteiros, materiais audiovisuais em diversos formatos, entre outros- e fundou a Associação Brasileira de Documentaristas em 1994.