CRÍTICA CINEMA - MEGALÓPOLIS: Um trem desgovernado. E Imperdível

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Adam Driver em 'Megalópolis'

Entre todos os concorrentes do 77° Festival de Cannes, o título que mais chamava atenção e mais mobilizava apostas foi uma produção idealizada há quase quatro décadas, cujo diretor, hoje com 85 anos, tem duas Palmas de Ouro no currículo: Francis Ford Coppola. O longa tão esperado: "Megalópolis".

Sua primeira exibição teve sabor de controvérsia. É um exercício autoral de risco absoluto, mas que beira a extravagância, resvalando no excesso e até na caricatura, como um trem desgovernado. Apesar do aparente desgoverno, sua dimensão poética é inegável, e irresistível.

A música de Osvaldo Golijov é um dos raros pontos em que o filme não gera dissonância de opiniões, assim como na atuação de Giancarlo Esposito no papel de Pompeu, o prefeito de uma Nova York apresentada como Nova Roma.

Depois do fenômeno "Oppenheimer", a indústria anseia por longas voltados para plateias adultas, com temáticas de tons polêmicos, que possam faturar muito e alcançar prestígio. Porém, depois de Cannes, há quem defina a película como um tropeço e quem veja nela um poema com absoluta liberdade narrativa. Não se fala em obra-prima, mas todos enxergam ali liberdade plena... e poesia.

Nos EUA, os estúdios da Meca do cinemão não se mobilizaram para apoiar o diretor em seu projeto faraônico, orçado em US$ 120 milhões e bancados do seu próprio bolso, com o dinheiro de suas vinícolas.

Numa sequência inquietante, o arquiteto Cesar Catilina (Adam Driver) caminha sobre o teto de uma construção e observa os céus de sua cidade até que, prestes a cair, ele consegue parar o tempo com uma palavra de ordem, estalando o dedo para que tudo volte a funcionar. Ganhador de um Nobel, Cesar é tido como cientista após ter inventado uma substância capaz de paralisar o fluxo temporal. Seu sonho é construir um mundo utópico. Toda a trama é uma referência explícita ao Império Romano, desde os nomes dos personagens até diálogos em latim na narração feita por Laurence Fishburne. Sua forma de narrar abre espaço para reflexão filosófica acerca da ponte entre aquele mundo e uma tradição que sucumbiu pela barbárie.

Cesar é uma figura controvertida. Ao alcançar fama, almeja criar uma NY perfeita, apesar de o alcaide do local, Cícero (Esposito), discordar de seus atos. A peleja é narrada com muita experimentação e até com imagens documentais.