A partir da projeção do curta "O Teu Sorriso" (2009) no Festival de Veneza, Pedro Freire deixou evidente a sua destreza para lidar com o lugar da palavra na tela grande, sabendo domá-la sem o temor que muitos têm, de modo a extrair dela uma poesia que transcenda limites semióticos na embocadura da estrela certa.
O verbete "mãe" é o termo mais espinhoso de seu novo filme, "Malu", ganhador do troféu Redentor de Melhor Longa-metragem de Ficção do Festival do Rio 2024 (em empate com "Baby"), onde arrebatou mais três láureas.
Outro Pedro, o espanhol Almodóvar, já havia flagrado as farpas que o termo referente à gestação, à criação, ao Édipo e ao amor incondicional carrega, basta conferir seus almodramas "Madres Paralelas" (2021) ou "Todo Sobre Mi Madre" (1999). O desafio que Freire encara, livrando-se de tatear excessos melodramáticos, é alargar a fronteira desse signo, "mãe", grávido de muitas renúncias e de muitos complexos ao retratá-lo pelo prisma do companheirismo, sentimento que encontrou um cronista singular num cineasta de quem o diretor brasileiro é fã: John Cassavetes (1929-1989). JC filmava em patota (com Ben Gazzara, Seymour Cassel, Peter Falk e sua diva, Gena Rowlands) falando de... "patotas"... vide "Maridos" (1970)... ou da conexão entre irmãos ou entre amantes. Era também corajoso no trato com o verbo falado, sem pânico da verborragia.
No script que lhe rendeu o Redentor de Melhor Roteiro da Première Brasil, Freire parece ter tomado emprestado de seu ídolo ecos de "Uma Mulher Sob Influência" (1974) na hora de compor a Comédia Humana retratada em "Malu", que alcançou um sucesso tamanho GG lá no Festival de Sundance, nos EUA. Assim como na pérola cassavetiana, há, em seu longa, uma fúria feminina que se descontrolou (ou foi descontrolada) por vetores da vida: escolhas ruins, fracassos, recuos, recusas... Essa fúria é Malu (papel de uma Yara Novaes em estado de graça). Ela é uma atriz de passado glorioso, que se vê presa em um caos sentimental. A relação nada leve com sua mãe conservadora e sua filha adulta (papéis de Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte) torna sua crise - e sua sensação de falta de pertencimento - ainda mais aguda.
As três atrizes supracitadas foram (merecidamente) contempladas com troféus na maratona cinéfila carioca não apenas pelo que resguardam em silêncios crepusculares, mas por tudo o que despejam em desabafos e ataques nas quais cada sílaba é uma navalha. Freire não poupa as consoantes e as vogais. Elas funcionam como uma sinfonia de lamentos até de desenharem como um cântico de reconciliação, sob a certeza de que um abraço partido é um abrigo vazio. A fotografia de Mauro Pinheiro Jr. segue a linha temperada de tons mornos habituais de um fotógrafo que sabe colorir tramas sobre angústias afetivas com uma sobriedade invejável.