Desde sua entrada no Festival de Sundance, nos EUA, em janeiro, quando fez sua primeira exibição pública, "Malu" prometia mundos e, ao estrear comercialmente por aqui, há sete dias, comprovou que suas promessas tinham fundos - e muitos. Chegou bem na fita, trazendo o troféu Redentor de Melhor Filme conquistado no Festival do Rio (em empate com "Baby") e o Prêmio Paradiso da Mostra de SP.
No último fim de semana, as salas do Grupo Estação e do Cinesystem Botafogo apinharam de gente para conferir o longa-metragem que Pedro Freire (de "O Teu Sorriso") construiu como um afago histórico para sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947-2013). Sua protagonista, Yara de Novaes, abocanhou a láurea de Melhor Interpretação na Première Brasil, onde duas colegas de cena, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte, foram contempladas em dupla com a estatueta de Melhor Atuação Coadjuvante.
"É emocionante a sensibilidade com que o Pedro trata da perpetuação de um padrão violento nas relações familiares, ainda que elas sejam plenas de amor, além de ser inquietante pensar como um homem pode criar uma obra que exprime a feminilidade em sua máxima potência", elogiou a atriz Elisa Pinheiro, que prestigiou o longa no domingo. "Que atrizes, que jogo de cena. Yara de Novaes absolutamente dilacerante. É filme para nunca mais esquecer".
"Uma verdadeira simbiose entre o criador, os atores e o público. A exploração mais profunda e bela das cicatrizes humanas no cinema nacional contemporâneo", diz o ator Alexandre Lino, do fenômeno teatral "O Porteiro", que virou filme em 2023.
Na trama Malu (Yara), uma atriz de passado glorioso, que se vê presa em um caos sentimental. A relação nada leve com sua mãe conservadora, Dona Lili (Juliana), e sua filha adulta, Joana (Carol), torna sua crise ainda mais aguda. Um amigo, Tibira (Átila Bee), que mora com ela, tenta se equilibrar em meio ao caos que se instaura naquela casa repleta de mágoas.
"São três gerações de mulheres em que uma herda a doença da outra e uma tenta se salvar da doença da outra. Nada mais universal e nada mais contemporâneos", diz o escritor Julio Ludemir, organizador da Festa Literária das Periferias (Flup). "Todas as cobranças, todas as dívidas, tudo o que a gente não tem para dar está ali. Como diz o Djavan: 'Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar'. Vi no sábado, numa sala cheia. Foi a prova de que o cinema tá vivo e não tem streaming que derrube o prazer de ver uma história dessa na tela grande, com gente se emocionando como 'Malu' emociona".
De que maneira a sua experiência pessoal com a paternidade pesa sobre o processo de criação de uma história tão pessoal, mas que fala sobre maternidade?
Pedro Freire: O nascimento da minha filha Pilar foi importantíssimo nesse processo de fazer "Malu". Dedico o filme a ela, neta de Malu Rocha. Ela nasceu durante o processo de escrita de roteiro e, desde seu nascimento, tive muito evidente que eu estava fazendo esse filme em grande parte para ela: para que um dia, quando tiver idade para assistir a um filme tão pesado, ela possa entender um pouco da complexidade de sua falecida avó.
O que Yara de Novaes traz de mais singular do teatro para as telas nessa troca com você numa mise-en-scène com a câmera?
Eu adoro trabalhar com atrizes e atores de teatro, pois em geral é uma gente apaixonada por processo, por ensaio, por se aprofundar num personagem. É o jeito que eu gosto de trabalhar, e a Yara é exatamente assim, passamos horas batendo papo sobre Stanislavki. Ela é uma grande diretora também e me deu um livro da Maria Knébel (discípula de Stanislavski), fantástico, que já devorei. É uma troca muito linda. E acredito que o filme "Malu" chega nas pessoas muito por conta dessa profundidade que ela conseguiu alcançar na representação da Malu Rocha. Dá para sentir que não é uma representação superficial, que aquela pessoa na frente da câmera está profundamente transformada, mexida, atravessada por aquela personagem. É muito bonito de ver o trabalho da Yara e me emociono até hoje quando revejo o filme.
"Malu" é um filme sobre perder-se, é um filme sobre encontrar-se, é um filme sobre mulheres, é um filme sobre maternidade, mas é, também, um filme sobre atrizes e a arte de atuar e de viver da arte. Qual foi a maior lição que suas atrizes te ofereceram sobre esse processo do ofício de atriz no Brasil?
Atuar é, para mim, a profissão mais bonita do mundo e, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis, cruéis, ingratas. Tornar-se ator é uma decisão que tem algo de sublime e trágico ao mesmo tempo. Espero ter conseguido colocar algo dessa dicotomia no filme. Se consegui, foi graças à atuação desse elenco maravilhoso, todo vindo do teatro, todos profundamente apaixonados pela arte da atuação.