Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Os monstros de uma cultura tóxica

Ao assumir um alto cargo numa importante grife europeia, Ellias (Marc-André Grondin) é assolado por segredos de seu pai em 'O Sucessor', novo longa de Xavier Legrand | Foto: Divulgação

 

Coadjuvante de luxo no último filme de Costa-Gavras ("Uma Bela Vida"), o ator Xavier Legrand expandiu seus talentos (e seu prestígio) com a consagração de sua experiência como realizador graças ao sucesso de "Custódia", drama sobre alienação parental que lhe rendeu o Leão de Prata de Melhor Direção em Veneza, em 2017. A experiência de filmar foi uma das bússolas de sua fala, ontem, na FAAP, em São Paulo, e será uma das guias de sua visita ao Rio de Janeiro na delegação do 15° Festival Varilux, que começa nesta quinta-feira em dez salas cariocas (e mais 59 cidades brasileiras simultaneamente).

Indicado ao Oscar, em 2014, pelo curta-metragem "Avant Que De Tout Perdre", ele aporta aqui trazendo na mala um thriller assustador, com o qual disputou a Concha de Ouro de San Sebastián, em 2023: "O Sucessor" ("Le Successeur"). A primeira sessão dele no RJ será nesta sexta, às 16h, no Kinoplex Fashion Mall.

"As farsas que regem a vida privada num mundo patriarcal precisam vir à tona para exorcizar o mundo de seus males", disse Legrand ao Correio da Manhã em San Sebastián.

Um dos diretores da série "Tout va Bien", com Virginie Efira, Nicole Garcia e Sara Giraudeau, Legrand vem se fimando, na telona, como um artesão do suspense. "Custódia" já era de roer as unhas ao mostrar o processo de bestialização de um homem (Denis Ménochet) na luta pela guarda dos filhos. A tensão de "O Sucessor" é ainda maior. Seu protagonista é Elias (Marc-André Grondin), que se torna o novo diretor artístico de uma renomada casa de Alta Costura francesa. Ao saber que seu pai, com quem não mantinha contato há muitos anos, morreu no Canadá, em decorrência de um ataque cardíaco, ele viaja para o Quebec a fim de resolver questões da herança. Lá, Elias vai descobrir que herdou algo muito mais complicado do que apenas o coração frágil de seu pai ou posses lucrativas.

"Existe uma toxidade inegável nas relações sociais que é uma herança do sexismo. Todos nós alternamos zonas cinzentas, com sombras e fragilidades. Cada uma delas pode explodir sob pressão. Neste filme, eu tenho um homem acostumado a um ambiente confortável que se vê obrigado a gravitar por um universo assustador, que enxerga no pai o inimigo", explicou Legrand. "Minha forma de narrar é aproximar terror e psicologia. Parto de códigos de gênero, mas uso também referências do jornalismo policial. O controle coercitivo é um dos focos das minhas narrativas".

Além de "O Sucessor", o Varilux traz 18 outros longas inéditos e um clássico, "O Sol Por Testemunha" (1960). Ímã de multidões na França, com 9 milhões de ingressos vendidos só por lá, a nova versão de "O Conde de Monte-Cristo", de Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière, com Pierre Niney, é uma das iguarias pop do cardápio montado sob a curadoria de Emmanuelle e Christian Boudier, que exibe ainda o longa de abertura de Cannes: "O Segundo Ato", de Quentin Dupieux. É uma seleção que investe na diversidade da produção da França, que garante a artistas como Legrand a chance de ter uma voz autoral.

"Nossa força vem da variedade, da multiplicidade, da diversidade" explicou o cineasta. "A mistura de gêneros que você encontra no meu filme não é algo inerente ao nosso DNA cinéfilo, mas o hibridismo é algo que atrai os críticos e satisfaz o público. Tem sido assim com as histórias que conto".