Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Carne moída e sarcasmo: isso é Deadpool

Ryan Reinolds acredita que a cara de carne moía do mercenário tagarela lhe assegura o riso da plateia nos filmes de Deadpool; O astro canadense conta em entrevista pelo Zoom que não tinha dinheiro para gibis quando guri | Foto: Divulgação

Hollywood andava traumaticamente descrente dos filmes de super-herói, por conta de fiascos sucessivos do filão, quando o canadense de Vancouver Ryan Reynolds salvou o gênero ao levar "Deadpool & Wolverine" a faturar cifras astronômicas, estimadas em US$ 1,3 bilhão. É o filme live action mais rentável de 2024, até agora, atrás apenas da animação "Divertida Mente 2", que arrecadou cerca de US$ 1,7 bilhão.

Fala-se que o astro tem tudo para concorrer a (mais) um Globo de Ouro, graças ao êxito dessa produção, que hoje pode ser vista na Disney . Em 2017, ele disputou a láurea com o filme inaugural do Mercenário Tagarela, criado nas HQs por Fabian Nicieza e Rob Liefeld e apresentado ao público leitor em dezembro de 1990, nas páginas da edição n° 98 da revista "The New Mutants".

Ryan foi indicado ao prêmio de Melhor Ator de Comédia/Musical em 2017, pelo longa nº 1 da franquia, que faturou US$ 782 milhões, surpreendendo até a Marvel. Não por acaso, eventos ligados ao Golden Globe de 2025 têm trazido o astro de 48 anos à ribalta, como a entrevista online realizada no fim de semana passada para promover a carreira do super-herói no streaming de Mickey Mouse.

Num papo via Zoom, Reynolds "culpou" o colega australiano Hugh Jackman pelo fenômeno que acaba de emplacar ("Ele é um atorzaço!", declarou) e fez uma confissão ao Correio da Manhã: "Eu não tinha dinheiro para comprar quadrinhos quando menino, mas eu via muita televisão, sem perder um episódio de 'O Show da Lucy' e de 'Saturday Night Live'. Meu pai trabalhava duro para sustentar a gente e eu lembro de ter um dinheirinho poupado", disse o ator, que atraiu os holofotes hollywoodianos para si com comédias: "O Dono da Festa" (2002) e "Apenas Amigos" (2005).

"Acho que a pergunta é: como a cultura pop lida com Deadpool? Fã-clubes são tribais e têm um massivo apetite para consumir filmes, em grupo. Tem essa coisa DC vs. Marvel. Quando esse ecossistema é atendido, há um acerto. A questão é saber chegar ao coração dos filmes de heróis. Esse filme mais recente de Deadpool, tem mais ternura do que os outros dois. Tentei concebê-lo como um drama. O humor chegou depois".

Visto este ano ainda em "Amigos Imaginários" (que desapontou exibidores), Reynolds alterna êxitos e desastres em sua carreira, que reservou espaço para um suspense do cultuado Atom Egoyan: "À Procura", indicado à Palma de Ouro de Cannes, em 2014. Seu maior fracasso foi "Lanterna Verde" (2011), adaptado das peripécias quadrinísticas do patrulheiro estelar de OA. Entre seus êxitos, está a comédia romântica "A Proposta" (2009), com Sandra Bullock; o thriller "Protegendo o Inimigo" (2012), no qual contracenou com Denzel Washington; a comédia "Dupla Explosiva" (2017), com Samuel L. Jackson; e a aventura "Free Guy: Assumindo o Controle", projetada no Festival de Locarno de 2021.

"Os estúdios fazem um investimento em nós. Não é controle; é confiança", disse Reynolds, num Zoom com jornalistas do mundo todo para falar sobre como compõe Deadpool a fim de capturar o público. "Eu comecei na carreira fazendo improvisos cômicos, mas eu não faço isso no set. Não quero fazer do meu processo o processo das/os colegas".

Sob a direção de Shawn Levy, "Deadpool & Wolverine" começa eletrizante e amplia o ritmo até o fim. Na trama, Wade Wilson (Reynolds, dublado no Brasil por Reginaldo Primo) deu um tempo em seu uniforme e nas espadas e arrisca uma vida corriqueira, de peruca, como vendedor de carros. Vive na pasmaceira até um excêntrico analista das linhas temporais do cosmo chamado Sr. Paradox (Matthew Macfadyen, o Mr. Darcy de "Orgulho e Preconceito"), notar uma falha no fluxo temporal do anti-herói por conta do sumiço de Wolverine (Jackman, aqui dublado pelo mestre da voz Luiz Feier Motta), morto num gesto de (autos)sacrifício visto em "Logan" (2017). Deadpool é ludibriado por Paradox para encontrar um substituto à altura do mutante das garras de Adamantium (um metal fictício dos quadrinhos), numa realidade paralela do multiverso, mergulhando numa espécie de lixão cronológico para onde foram refugos de dimensões condenadas (leia-se projetos da Fox cancelados ou interrompidos). O lugar sofre sob a égide da vilã Cassandra Nova (Emma Corrin), irmã gêmea má do Professor Xavier (o líder dos X-Men), condenada ao esquecimento.

A tarefa de Deadpool é ajustar os registros das ondas cósmicas liberados por existências relegadas à desaparição, impedindo que sua linha do tempo seja apagada. Essa premissa com tintas da Física é narrada por Levy (coautor do roteiro com Reynolds, Rhett Reese, Paul Wernick e Zeb Wells) num tom abilolado de chanchada capaz de agradar nerdolas e olhares leigos, salvando a comédia do engessamento. A aparição de Wesley Snipes revivendo um de seus trabalhos mais icônicos, o vampiro Blade, é um trunfo especial do longa.

"Eu não preciso fazer coisas engraçadas para interpretar Deadpool, pois aquela cara dele, que parece carne moída, já faz espectadoras/es rirem", diz Reynolds. "O público desenvolveu uma conexão afetiva com ele", acredita o astro.