Por: Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Nas grades da ribalta

Colman Domingo se impõe como um potencial candidato ao Oscar por 'Sing Sing', drama que aborda a realidade do teatro carcerário como prática de reabilitação social | Foto: Divulgação

 

Ao tentar convencer um time de assistentes sociais de que já é hora de recuperar a liberdade, após um looongo período atrás das grades, mesmo sem ter cometido o crime pelo qual foi acusado, Divine G, outrora um ator e bailarino em ascensão, ouve uma pergunta demolidora: "O senhor está encenando aqui?". Não, ele não está. A sequência, devastadora, é um desabafo sincero sobre exclusão... e sobre sonho.

A falta de credibilidade que sofre diante dos agentes da condicional é uma das violências simbólicas vividas pelo personagem central de "Sing Sing". Ímã de lágrimas (e de aplausos) em sua passagem pelo TIFF, o Festival de Toronto, o filme - já lançado nos EUA e em alguns territórios da Europa - é batizado com o nome de um dos centros de detenção mais temidos dos EUA, localizado em Nova York, onde a trama se ambienta. Seu protagonista, o artista encarcerado que nos conduz pelo xilindró, sobretudo por uma ala onde um grupo de teatro carcerário engata a montagem de um espetáculo, tem tudo para garantir uma indicação ao Oscar a Colman Domingo. Aos 54 anos, ele concorreu ao prêmio, em março, com "Rustin", hoje na Netflix. Seu prestígio na indústria hollywoodiana só faz crescer. Escalado para o novo filme de Steven Spielberg, ao lado de Emily Blunt e Colin Firth, ele será visto no papel do papel do pai do cantor Michael Jackson, Joe, na cinebiografia do cantor dirigida por Antoine Fuqua, que sai em 2025.

"Entendo 'Sing Sing' como um filme sobre amizade", disse o ator ao Correio da Manhã, via Zoom, ao falar sobre o longa, que só estreia comercialmente aqui em fevereiro.

Numa ação promocional online para promover "Sing Sing" para a próxima Oscar season (a temporada de premiações que ronda a entrega da estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood), Colman passou em revista sua imersão nas experiências cênicas do programa Rehabilitation Through the Arts (RTA). É o nome do projeto inclusivo para mobilizar detentos por meio do teatro. "Um de nós estava sempre chorando ao ver aquele trabalho", lembrou (comovido) o ator, ao se reportar à dinâmica com o diretor Greg Kwedar.

"Não fizemos um estudo antropológico. Nós buscamos pessoas que tiveram aquela vivência, no universo delas, para mostrar a realidade de quem se apoia na arte para transcender", disse Colman, via Zoom, ao se referir a um roteiro escrito por Clint Bentley a partir dos livros "The Sing Sing Follies", de John H. Richardson, e "Breakin' the Mummy's Code", de Brent Buell.

"Foi uma jornada de oito anos e meio, em que o tempo foi o nosso melhor professor, pois deu pra gente a oportunidade de explorar as profundezas daquele contingente, com a chance para encontrar momentos de alegria e de ternura", disse Kwedar, cineasta conhecido por "Do Outro Lado da Fronteira" (2016), ao lado de Colman e de Clarence "Divine Eye" Maclin, ex-presidiário condenado a 17 anos que se reinventou fazendo peças em Sing Sing.

Sob a direção de Kwedar, ele encarna um personagem com seu próprio apelido no filme e leva à tela suas vivências. No enredo, Divine G (Colman) tem o apreço e o respeito de seus colegas de RTA por seu talento e por sua intimidade com a dramaturgia. Sua trupe está presentes a montar um texto chamado "Breakin' the Mummy's Code", uma colcha de retalhos lúdica com Shakespeare e Robin Hood, quando Divine Eye se junta a eles, esbanjando fúria. Pouco a pouco, sua violência se arrefece, entretanto, a indignação de Divine G só faz crescer diante das injustiças que sofre.

"O silêncio é a pontuação perfeita para um universo onde as pessoas parecem ter todo o tempo do mundo para perder", disse Colman, num balanço sobre a quietude de Divine G na cela, que contrasta com suas explosões internas. "Meu empenho era explorar esses hiatos pela psicologia, a fim de explorar o que se passa na cabeça de Divine G. Falava muito com Kwedar sobre o MA, a expressão japonesa que simboliza um 'entre-lugar', um espaço vazio, um intervalo entre elementos. É ali que eu tento capturar o espírito de maior verdade do personagem, numa narrativa sobre transformação, sobre pessoas que estão a um passo de ganhar o mundo de novo".