Estudo sobre ética, consciência pesada e arrependimento, "Juror #2", o novo (e talvez o último) filme com direção de Clint Eastwood, vai para a grade da plataforma MAX, nos EUA, no dia 20 de dezembro, às vésperas do Natal, após uma carreira restrita em salas de projeção americanas que serviu para gabaritar esse misto de thriller e drama de tribunal para a Oscar Season, a temporada de premiações anterior ao Oscar.
No enredo, o jornalista Justin Kemp (Nicholas Hout), devotado na luta contra o alcoolismo, é escalado como jurado em um julgamento de feminicídio, mas enfrenta um dilema ao supor que ele pode ter sido o assindo, num acidente de trânsito que cometeu sob o efeito da bebida. Essa entrada no streaming pode prejudicar sua carreira em outros territórios, inclusive no Brasil, que acaba de encerrar uma mostra dedicada à fase de figurante do eterno Dirty Harry.
O evento, integrado ao Festival Rio Fantastik, integra a maratona retrospectiva de Eastwood, em quatro fases, promovida no Estação NET Botafogo pelo crítico, curador e documentarista Mario Abbade a fim de revisitar as diferentes expressões artísticas de Clint ao longo de sua carreira. Há um ano, Abbade lançou "Eastwood´s Rawhide" (Editora Casa de Papel), um livro (obrigatório) sobre o seriado que consagrou o diretor de "Os Imperdoáveis" (1992). Prepara ainda um catálogo de luxo sobre o ator e cineasta. Além do trabalho do pesquisador carioca, o Brasil se reaproxima do realizador por meio da streaminguesfera, com a vinda de "Menina de Ouro" ("Million Dollar Baby") para a MUBI.
Estrondo de bilheteria, essa produção, que custou US$ 30 milhões e faturou US$ 216 milhões, está comemorando 20 anos. Lançado em 2004, sem alarde, esse drama esportivo, baseado no livro "Rope Burns: Stories from the Corner", de F.X. Toole, ganhou quatro Oscars: Melhor Filme, Direção (para Eastwood), Atriz (Hilary Swank) e Ator Coadjuvante (Morgan Freeman). Ímã de lágrimas, sua trama acompanha a peleja de uma jovem de origem pobre, Maggie (Hilary), para se firmar no pugilismo, treinando na academia do severo Frankie Dunn, vivido por Clint num de seus melhores desempenhos. Num ambiente majoritariamente masculino, Maggie é uma ave rara, dedicada e cheia de destreza. Com o apoio de Frankie, ela começa a acumular vitórias e se torna uma estrela, mas uma surpresa azeda do destino pode mudar os rumos de sua estrada.
É possível ver "Menina de Ouro" no www.mubi.com a partir de sexta-feira, mas o longa está também na grade da MAX, onde há outros títulos de Eastwood, como o magistral "Cavaleiro Solitário" ("Pale Rider", 1985). Embora o jazzístico drama musical "Bird", de 1988, costume ser apontado como o filme que atraiu o respeito dos críticos para Eastwood como realizador, foi um western o real responsável por sua transição para a seara dos autores. Sua receita: US$ 41,4 milhões. Além de dirigir, ele também assumiu o papel principal. Na telona, o ator e diretor vive o pregador que chega a um vilarejo de mineradores pobres submissos às humilhações do latifundiário Coy Lahood (Richard Dysart). Ninguém sabe o nome do pastor, embora o coração e outras partes da anatomia da adolescente Megan (Sydney Penny) latejem quando o religioso abre a boca em seus sermões do tipo: "E olhei e vi um cavalo claro; e o que nele montava era a Morte, e o Inferno o seguia". De colt em punho, o emissário do Senhor vai fazendo justiça em sequências fotografadas em tons pastéis por Bruce Surtees. Orlando Prado dublou Clint na versão brasileira, feita no finado estúdio Herbert Richers.
Outra joia pouco lembrada de Eastwood está no streaming, na Amazon Prime: "Crime Verdadeiro" ("True Crime", 1999). Esta tensa produção de US$ 55 milhões, disponível na Prime Video para locação ou compra, buscou explorar uma faceta antes não trilhada pelo ator em sua fauna de tipos anti-heróicos: um jornalista investigativo. Espécie de Gay Talese caído em desgraça, o repórter Steve Everett, mulherengo e alcoólatra, foi decalcado da literatura de Andrew Klavan. O personagem tem dívida com a ex-mulher e com a filha. Mas dá preferência à missão de provar que um condenado à morte (Isaiah Washington) pode ser inocente. Começa uma corrida contra o tempo - e o racismo - que Eastwood constrói em tempo real, escavando tensão de cada um dos 127 minutos deste thriller jornalístico.