Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Filme nota 10 no Enem do cinema

Um triângulo amoroso envolvendo três estudantes no perímetro da Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, incendiou, um debate sobre exclusão no Rio de Janeiro dos anos 2000 com o longa 'Proibido Proibir', de Jorge Durán | Foto: Divulgação

 

Gestado com baixíssimo orçamento sob o endosso do prêmio Cine en Construcción do Festival de San Sebastián, na Espanha, "Proibido Proibir" (2006) vai reescrever um período crucial da História (e do cinema) em sua exibição (mais do que imperdível) na televisão aberta, neste domingo, às 23h15, na TV Brasil. Sua narrativa eletrizante consagrou-se por bater a radiografia das inquietações políticas do primeiro mandato de Lula na presidência, vividas na periferia do Rio de Janeiro.

Visto ou revisado hoje, o filme de Jorge Durán fala de um Rio periférico, de Zona Norte e da Ilha do Governador, com uma configuração social hostil, assolada por investidas da ala mais corrupta da polícia em comunidades pobres, registrando uma época em que não se falava em milícias do modo (de alerta) com que essa palavra é dita hoje.

Na época, "Cidade de Deus" (2002) fez o filão favela movie explodir como vertente estética, mundo afora, mas seu diretor, um chileno radicado no Brasil, iniciou o projeto, ali por meados de 2004, há exatamente 20 anos, buscando outra ótica, mais poética. Trazia no currículo um histórico de roteiros aclamados (entre eles o script de "Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia"), mas não dirigia nada desde 1986, quando tomou as telas do país de assalto com "A Cor Do Seu Destino".

As memórias afetuosas que guardou de seu tempo de faculdade, como estudante de Teatro em Santiago, sua cidade natal, serviram de norte para que Durán retratasse as cicatrizes cariocas por uma ótica universitária, assumindo o Fundão, via UFRJ, como seu epicentro dramatúrgico.

Em vez de um bangue-bangue na favela, preferiu narrar uma love story, num triângulo amoroso que trouxesse entre seus interditos a brutalidade do crime. Desafiou uma convenção a mais de uma época na qual o cinema carioca se limitava à Zona Sul ou, no máximo, ao Polo do Audiovisual em Jacarepaguá e alguns recantos da Barra: rodou na Zona Norte, sob as bênçãos da Padroeira da Penha.

"Eu queria conhecer esta cidade de geografia tão bonita de outros pontos de vista e encontrei espaços muito diferentes da vista do Cristo Redentor, mas que também são belíssimos. Tanto que meus novos projetos se passam na Zona Norte", disse Durán, ao Correio da Manhã.

Com sua mirada ousada, o cineasta ganhou prêmios nos festivais de Havana, Cartagena, Viña Del Mar, Huelva e Biarritz (uma das maiores vitrinas para filmes latinos na França). Assistente de direção do franco-grego Costa-Gavras em "Estado de Sítio" (1972), Durán fez a primeira projeção de "Proibido Proibir" na Première Brasil do Festival do Rio num domingo de eleição, no extinto Cine Palácio (hoje Teatro Riachuelo).

O público, boquiaberto com a potência daquele drama com toques de thriller político, embatucado sobretudo pela catártica atuação de Caio Blat, explodiu numa ovação quando as luzes se acenderam. "Se o filme tivesse sido projetado aqui ontem, o resultado da votação mudava", disse, ao fim da sessão, o cineasta e crítico Eduardo Souza Lima (mais conhecido como Zé José), então editor do Segundo Caderno de O Globo, referindo-se à disputa eleitoral daquele dia. Na data, votou-se para governador do Rio, e Sérgio Cabral Filho disparou como líder do 1° turno.

A reflexão de Zé José traduziu o espírito de perplexidade provocado por Durán ao dissecar (numa lógica à moda Michel Foucault) a microfísica da exclusão no estado. Não por acaso, quando o longa-metragem foi exibido nos EUA (com direito a prêmio para Blat no Festival de Cinema Brasileiro de Miami), a crítica americana classificou-o como "um drama excitante e imprevisível, com um roteiro que não força situações". "É cool e irreverente", escreveu a revista "Variety" ao analisar a ciranda amorosa que une o aluno de Medicina da UFRJ Paulo (Blat, sublime), a estudante de Arquitetura Letícia (Maria Flor) e o formando em Ciências Sociais Leon (Alexandre Rodrigues, o Buscapé de "Cidade de Deus").

O "Jules et Jim" suburbano entre eles colide com a luta de Leon para defender um adolescente jurado de morte pela polícia depois de testemunhar um ato de corrupção. Luis Abramo assina a fotografia dessa produção, que vasculha guetos e telhados dos campi da Ilha do Fundão e do subúrbio.

"Viajei o mundo com esse filme, que me trouxe muitas alegrias, em especial a chance de pensar o papel da universidade pública numa metrópole. Na França, a gente entrou em circuito e foi muito bem compreendido pela juventude universitária. Passamos ainda em escolas", diz Durán. "Eu me lembro de ter ouvido uma pergunta de um aluno de colégio público, em algum lugar da Europa, acho que na Bélgica, igualzinha à questão feita por um estudante da Baixada: 'Você se inspirou em Che Guevara'. Sinto que criamos uma história universal e, outro dia, ouvi dizerem que aquela trama poderia se passar no Rio de hoje. As coisas não mudaram. Um dos problemas mais graves do cinema brasileiro, que é a falta de estabilidade nas políticas públicas, não mudou".