Claudio Giovanesi: 'Uma economia paralela nasce onde o Estado é ausente'
Desde a conquista do prêmio de Melhor Roteiro na Berlinale de 2019 por "La Paranza Dei Bambini", Claudio Giovannesi passou a ser encarado com o mais sentimental dos cronistas da cultura mafiosa de seu país, a Itália. Aos 46 anos, o realizador de "Fiore" (2016) e "Alì Ha Gli Occhi Azzurri" (2012) ganhou fama ao narrar a educação sentimental dos soldados da milícia napolitana. Volta ao tema este ano numa ponte (polêmica) com EUA pavimentada pelo drama "Hey Joe".
A produção estreou no Festival de Roma, há cerca de dez dias, e estreia no dia 28 apoiada no burburinho provocado pela escolha de seu protagonista, James Franco, ganhador da Concha de Ouro de San Sebastián por "O Artista do Desastre" (2017), indicado ao Oscar por "127 Horas" (2010). Após um longo período de "cancelamento" que o manteve fora das telas, o astro conhecido pelo papel de Harry Osborn na franquia "Homem-Aranha" (2002-2007) tem a chance de voltar aos holofotes na pele do ex-pracinha da II Guerra Mundial Dean.
Nos anos 1940, Dean viveu uma tórrida história de amor em Nápoles e abandonou sua amada grávida. Na década de 1970, ele decide correr atrás do prejuízo sentimental que causou e buscar seu filho, que se encontra envolvido com atividades ilícitas.
Na entrevista a seguir, concedida via Zoom, Giovannesi fala sobre a dimensão geopolítica de sua visita ao processo de formação da máfia em sua nação.
Todo o protagonismo masculino de seus filmes caminha por uma trilha de samurai, não por referências nipônicas, mas pela aposta em figuras com códigos de honra particulares. Qual seria o código de Dean Barry?
Claudio Giovannesi: Ao falar em samurais, você me evoca Akira Kurosawa e aqui em "Hey Joe", o que temos é um soldado que sobreviveu à II Guerra e passou a vida com uma promessa a ser cumprida. Sinto que o código desse homem ronda a possibilidade de honrar esse débito, ainda que tardiamente. É alguém a pensar como a vida teria sido se tivesse trilhado um outro caminho, como pai, o que carrega uma culpa histórica. A solidão de Dean reflete a criação de um mundo contemporâneo, que nasce com o pós-guerra.
De que maneira esse olhar sobre a cultura de seu país, a Itália, lida com a presença americana e sua influência sobre a juventude?
Meu filme é a história de um americano que retorna a Nápoles, ou seja, volta a uma pátria que foi influenciada diretamente pelos EUA na música e no cinema. O universo que eu narro é o da década de 1970, antes da Camorra ganhar a forma que tem hoje, quando havia um tráfico de cigarros e de uísque a partir da embaixada estadunidense. É o retrato de uma economia paralela que nasce onde o Estado é ausente. É uma reflexão sobre os saldos da II Guerra. Usei "Paisà", de Rossellini, como a referência neorrealista direta para recriar o imaginário italiano de 1944. Os roteiristas, que são napolitanos, usaram outras inspirações e muita pesquisa documental de época.
O trabalho de seu fotógrafo, Daniele Ciprì, carrega um colorido muito particular, cálido, que lembra "A Morte de um Bookmaker Chinês", de John Cassavetes. Qual foi a base de criação da paleta de cores de "Hey Joe"?
Fomos, sim, inspirados no cult de Cassavetes nas sequências do clube que aparece na trama. As imagens correspondentes à década de 1970 seguiam um estilo de filme em película, com efeitos típicos dos rolos de 16mm.
Como é o processo construção de mise-en-scène com um ator que também é cineasta como James Franco?
Escalei James por gostar muito de seu trabalho como diretor, em especial "Child of God". Ele segue um método particular que vai além da abordagem psicológica, o que funciona muito bem.