CRÍTICA FILME - TODO O TEMPO QUE TEMOS: Amar é nunca ter que pedir perdão
O título acima foi emprestado por "Love Story" (1970), das carícias trocadas entre Ali MacGraw e Ryan O'Neal em um enredo sobre um triângulo entre uma mulher, um homem e uma doença terminal. Essa mesma tríade serve de base a "Todo Tempo Que Temos" ("We Live In Time"), filme de encerramento do Festival de San Sebastián. Sabe aquele tipo de produção que faz a gente suspirar? Pois então, o longa-metragem do aclamado diretor teatral e sazonal cineasta irlandês John Crowley (de "Brooklyn") é desses.
Esse drama romântico, aquecido pela luz cálida do fotógrafo Stuart Bentley, é daquelas narrativas fofas (tipo "P.S.: Eu Te Amo" ou "Um Lugar Chamado Notting Hill") que arrastam multidões às salas. A produção é assinada por Benedict Cumberbatch (o Doutor Estranho da Marvel) e renova uma tradição outrora muito perseguida pelo audiovisual inglês - vide "Desencanto", de David Lean.
A patrulha do politicamente correto vai se irritar, e muito, com a representação crua, sem estilização, da nudez, aplicada a seu par estrelas. Há um ethos nesse filme mais próximo do cinema popular praticado nos anos 1940 - tanto o hollywoodiano quanto o britânico - do que do comportamento dos anos 2020. Temos um engenheiro de computação, Tobias (Andrew Garfield, sublime em cena), que quer viver agarradinho com sua paixão e ter filhos, de modo a repetir o pretérito perfeito que viu seu pai experimentar. Temos também uma chef um tanto cética, Almut (Florence Pugh, em seu desempenho mais sinuoso e mais tocante), que não se deixa amolecer por qualquer carinho, mas acaba arrebatada pelo jeitão bom moço de Tobias. Há incongruências entre eles, fato que há. Não esqueçam da máxima do dramaturgo Jean Anouilh: "Existe o amor, é claro, e existe a vida, sua inimiga".
Apesar de ruídos aqui e ali, principalmente alguns envolvendo o desejo dela de não ser mãe, forma-se uma covalência da mais alta plenitude entre eles. Só que esse par vai formar um triângulo com um ente nada bem-vindo: um câncer de ovário. O que acompanhamos ao longo de uma hora e 47 minutos de uma montagem não linear, que volta no tempo aqui e avança nele acolá, é uma batalha épica, travada em dupla, não só contra a metástase anunciada, mas contra o relógio. (R.F.)