A França por testemunha
Tributo póstumo a Alain Delon, réquiem para Truffaut, aulão de crítica e exibição de 19 longas inéditos fazem do 15° Festival Varilux a maior diversão
É tempo de Varilux! De 7 a 20 de novembro, o festival organizado por Emmanuelle e Christian Boudier, da distribuidora Bonflim, vai transformar o circuito exibidor de dezenas de cidades brasileiras numa espécie de embaixada provisória para o audiovisual da terra de Alain Delon, que serenou em agosto, aos 88 anos.
Não à toa, um réquiem para o astro que foi sinônimo de beleza será realizado por essa maratona cinéfila espalhada por várias telas do Rio. A memória de Delon será festejada com a projeção de "O Sol Por Testemunha" ("Plein Soleil", 1960). É "O" clássico da edição de número 15 dessa mostra de joias do Velho Mundo que traz outras 19 produções, todas inéditas por aqui.
Ímã de multidões na França, com 9 milhões de ingressos vendidos só por lá, a nova versão de "O Conde de Monte-Cristo", de Matthieu Delaporte e Alexandre De La Patellière, com Pierre Niney, é a cereja de um bolo recheado também de saudade, com o gostinho da nostalgia que a cinefilia sente diante da ausência do realizador François Truffaut (1932-1984).
No dia 21 de outubro, o cinema (o francês e o de todo mundo) lamentaram os 40 anos da morte do diretor laureado com o Oscar por "A Noite Americana" (1973). Uma forma de aplacar esse lamento foram projeções do documentário "Le Scénario De Ma Vie", de David Teboul, que vai estar no Varilux.
Exibida em Cannes, em maio, essa produção dirigida por David Teboul se baseia em imagens de arquivo (algumas conhecidas, outras não), em entrevistas pouco conhecidas do artesão autoral por trás de "Os Incompreendidos" (1959), na correspondência dele com o pai (adotivo) e, sobretudo, num relato autobiográfico iniciado alguns meses antes da sua batalha final contra o tumor no cérebro que o matou.
Teboul parte de uma anedota do audiovisual parisiense segundo a qual os filmes de Truffaut se movem como trens, disparando na imaginação como expressos noturnos. Segundo a pesquisa do documentarista, a vida do cultuado diretor seguiu o mesmo ritmo, mas tinha apenas 52 anos quando surgiram as palavras O Fim em seu caminho. Alguns meses antes de morrer, o cineasta tinha começado a partilhar a história da sua juventude com o seu velho amigo, Claude de Givray, mergulhando profundamente na sua história familiar, a fim de fazer um livro com suas recordações. Seu tempo de tela (e na Terra) acabou por escassear e FT não conseguiu terminar sua autobiografia, a que tinha planeado chamar "O Roteiro da Minha Vida". O que Teboul faz, a partir de registros epistolares, é revelar o que seria essa derradeira narrativa truffautiana. Sua investigação vai arrancar lágrimas do Varilux.
Outro título que promete ser uma sensação por aqui é "A Favorita do Rei" ("Jeanne du Barry"), da realizadora Maïwenn, que abriu o Festival de Cannes de 2023. De volta às telas após a batalha judicial travada contra sua ex, a atriz Amber Heard, Johnny Depp inflamou ânimos, mas renovou seu séquito de fãs, em sua passagem pela Croisette, com essa reconstituição de época. Em tom de folhetim histórico, a trama é baseada em fatos reais. Sua trama reconstitui o romance entre o Rei Luís XV (1710-1774), papel de Depp, e uma cortesã, Marie-Jeanne Bécu (1743-1793), conhecida como Madame Du Barry, vivida pela própria Maïwenn.
Uma aposta certa de sucesso popular dessa seleção dos Boudier é a comédia dramática "A Fanfarra" ("En Fanfarre"), de Emmanuel Courcol, laureada com o prêmio de júri popular em San Sebastián. Seu roteiro acompanha a luta pela vida do maestro Thibaut (Benjamin Lavernhe), que em meio à luta contra uma doença terminal descobre ter um irmão (Pierre Lottin), também apaixonado por música.
Um dos mais atuantes críticos franceses da atualidade, responsável pelos novos olhares da imprensa francófona sobre a produção audiovisual asiática, Jean-Michel Frodon vai ministrar um colóquio sobre a força feminina nas telas de sua pátria numa palestra na Aliança Francesa, no dia 7, em duo com a atriz e cineasta Gabriela Carneiro da Cunha (premiada no Festival do Rio por "A Queda do Céu"). Uma das diretoras que devem flanar pela fala da dupla é Julie Navarro, que exibirá no pacotão trazido por Emmanuelle e Christian o ótimo "Quelques Jours Pas Plus" ("Apenas Alguns Dias"), com Camille Cottin e Benjamin Biolay. Na trama, Arthur Berthier, um crítico de rock relegado às reportagens gerais após destruir um quarto de hotel, é ferido por um policial enquanto cobre a desocupação de um campo de migrantes. Nessa ocasião, ele se apaixona por Mathilde, a líder da associação Solidariedade Exilados. Querendo ajudar e agradá-la, ele concorda em abrigar Daoud, um jovem afegão, pensando que será por apenas alguns dias. A sorte desse trio vai mudar por completo, ilustrando a virada sociológica que marca o atual discurso da França nas telonas, com toda a sua pluralidade.