Radu Jude nas presas de Drácula

Com projeto de longa sobre o simbolismo do vampiro, um mito romeno, diretor emprega sua ironia em causas em prol da cultura cinéfila e bomba no streaming, com filme novo na MUBI

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A comédia 'Não Espere Muito Do Fim Do Mundo' estreou no Brasil via MUBI

Pouco se sabe sobre "Dracula Park", fora o fato de sua trama fazer referência a um resort temático europeu e ao vampiro mais famoso da cultura pop, mas como se trata de um projeto de Radu Jude, os periódicos especializados em cinema já enquadram esse longa (ainda em gestação) como aposta quente para 2025.

Tem sido assim com tudo o que o cineasta romeno de 47 anos faz desde "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental", experimento definido como "comédia" (e, de fato, hilariante) pelo qual ele recebeu o Urso de Ouro da Berlinale, em 2021. A produção hoje está na plataforma Reserva Imovsion.

Seu prêmio alemão fez do diretor um popstar autoral, e ajudou a chamada "Primavera Romena" a se renovar. O termo se refere a uma onda de filmes que apareceu em Bucareste a partir de 2005, sempre de tom irônico, nas raias de um humor rascante, que sempre denuncia incongruências de governo. Às vezes, o realizador rejeita conexões com essa linhagem, mas jamais nega a Romênia combativa que reside em suas veias.

Celebrou o legado e a picardia de sua pátria em seu longa-metragem mais recente, "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo" ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii"), que ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Locarno do ano passado e chegou ao Brasil via MUBI.

Neste tempo de balanços pré-Réveillon, acerca do que 2024 viveu de melhor em múltiplas telas (incluindo o streaming), esse provocativo estudo sobre as redes sociais dispara na preferência da crítica e aquece a frequência ao www.mubi.com. Esta semana, a produção ganhou mais holofotes quando Jude se pronunciou numa campanha assistencial para arrecadar fundos para a revista "Film Comment".

Ao lado de artistas e escritores de prestígio (como o documentarista Frederick Wiseman), ele deu um depoimento em prol da publicação: "Por mais importantes que sejam os filmes nos EUA, também deve ter importância o discurso em torno deles: crítica, teoria, análise, história e muito mais. A 'Film Comment' tem proporcionado durante muitos anos uma plataforma onde as reflexões são acompanhadas de conhecimentos úteis que tornaram a nossa compreensão do cinema - ou seja, do mundo - mais rica. Isto deve continuar!", disse Jude, que exibiu o .doc ensaístico "Sleep #2" na Mostra de São Paulo, em setembro.

"Se eu sei algo sobre o Brasil, foi o Cinema Novo que me ensinou. Aprendi sobre vocês com Nelson Pereira dos Santos e com Glauber Rocha. Recentemente, eu vi 'Baronesa', de Juliana Antunes, que é uma valiosa expressão e me deixou impressionado com o que vocês são capazes de fazer", disse Jude ao Correio da Manhã, via Zoom, quando promovia "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo".

Sua atriz, Ilinca Manolache, tem um desempenho em estado de graça. Seu enredo aborda o sucateamento das relações laborais, centrado no empenho de uma produtora (Ilinca, brilhante) em filmar pessoas que sofreram acidentes de trabalho.

"Godard dizia que assistia a partidas de futebol porque era a única transmissão audiovisual na qual ele poderia ver pessoas trabalhando por 90 minutos sem parar. Ver um jogo é ver trabalho. Eu, que já fiz publicidade e filmes institucionais para sobreviver, quis mostrar uma jornada de trabalho. Mais do que isso, quis retratar um cotidiano avesso ao fascismo, nos vídeos da personagem de Ilinca", diz Jude, que lançou este ano ainda "Oito Cartões-Postais da Utopia", dirigido em duo com o filósofo Christian Ferencz-Flatz.

Seu novo passo é explorar a lenda do Conde Drácula, a partir das raízes do mito na Romênia.