O mar está para 'A Baleia'

Drama que resgatou Brendan Fraser do ostracismo e lhe rendeu o Oscar estreia na Netflix, ampliando sua popularidade em tempo de novos projetos de seu diretor, Darren Aronofsky

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Dois anos depois de sua estreia, 'A Baleia', que oscarizou Brendan Fraser, chega à Netflix Brasil

Finalizando um thriller sobre um jogador de beisebol em apuros ("Caught Stealing"), Darren Aronofsky segue colhendo frutos com "A Baleia" ("The Whale"), seu maior sucesso desde "Cisne Negro" (2010). Orçado em US$ 3 milhões (um trocado para o padrão de Hollywood), o drama lançado pelo realizador nova-iorquino em 2022, que faturou US$ 57,6 milhões na venda de ingressos, acaba de estrear na Netflix, ampliando sua popularidade. Seu chegada ao mais popular dos streamings destronou até títulos inéditos recém-lançados nas plataformas digitais, atraindo novos holofotes da crítica e dos assinantes.

Fraser, que fez fama na década de 1990 com "A Múmia" (1999), andava em baixa, sumido das telonas, quando Aronofsky deu a ele o papel principal desse estudo sobre aceitação. O Oscar de Melhor Ator entregue a ele foi a coroação de um resgate de carreira, o chamado comeback, que a indústria audiovisual adora. Outra estatueta, a de Melhor Maquiagem e Penteado também foi concedida ao filme, entregue a um time de técnicos formado por Adrien Morot, Judy Chin e Annemarie Bradley-Sherron.

Em circuito brasileiro, logo que entrou em cartaz, "A Baleia" contabilizou 200 mil espectadores. Seu markteing principal: a volta por cima de Brendan, que, na sequência, atuou em "Assassinos da Lua das Flores" (2023), de Martin Scorsese. Estrelou há pouco, na Amazon Prime, "Irmãos", um thriller cômico com Peter Dinklage e Josh Brolin, e está filmando o épico "Pressure", sobre a II Guerra, no papel do ex-presidente Dwight D. Eisenhower (1890—1969), em seus tempos de soldado, no front, de farda, como comandante dos Aliados.

Projetos como esse hoje espocam entre os agentes de Fraser graças ao trabalho de Aronofsky.

"Nunca foi um caminho consciente meu explorar essa condição de Brendan, uma vez que, nos anos 1990, eu já era um cinéfilo adulto, encantado por Kurosawa, que não estava de olho em filmes pop como os que ele estrelava", disse o diretor ao Correio da Manhã, via Zoom. "Meu critério para a escolha de Brendan foi a força de seu olhar e o que ele podia agregar a uma figura que se isolou, como uma ilha, após uma perda".

Leitor do "Velho Testamento", referência presente em seus longas anteriores, como "Mãe!" (2017) e "A Fonte da Vida" (2006), Aronofsky foi um dos produtores do único longa brasileiro a conquistar a Concha de Ouro do Festival de San Sebastián: "Pacificado" (2019), rodado no Rio, no Morro dos Prazeres, pelo americano Paxton Winters, com elenco nacional. Em meio ao êxito desse thriller sobre reinvenções nas comunidades cariocas, o diretor construiu "A Baleia", partindo da peça teatral homônima de Samuel D. Hunter.

Seu protagonista é um dedicado professor de Redação, Charlie, que engordou descontroladamente ao somatizar uma tragédia pessoal (a morte de seu namorado), beirando 300 quilos. Isso o levou a se isolar do mundo, afogado em seu apreço pela literatura do escritor Herman Melville (1819-1891), o autor de "Moby Dick" (1853), lecionando via Zoom com a câmera desligada. Gordofobia é uma das questões centrais que Aronofsky ataca ao nos apresentar Charlie, que anda cercada de vários dilemas, com uma dificuldade de se locomover, o que o leva a ser dependente de um andador e de argolas espalhadas pelo teto de sua casa. Para piorar, ele anda arfando muito, com falta de ar. Encarando dores fortes no peito, Charlie conta com o carinho da amiga, cunhada e enfermeira Liz (Hong Chau, numa afetuosa composição).

Apesar do afeto recebido dela, ele encarar com sofreguidão a sua incapacidade (aparente) de fazer com que a filha com quem ele pouco tinha contato, Ellie (Sadie Sink, impecável em cena), possa se aceitar no turbilhão hormonal de sua adolescência. Mas uma súbita convivência com Ellie no momento de piora em seu estado clínico lhe devolve alegria, mas traz outros dilemas.

"Existe sempre um risco de clichê na representação do amor familiar, pois toda e qualquer família, de qualquer canto do mundo, encara dilemas como rejeição e incompatibilidade. A diferença está em retratar os integrantes dessas famílias, na dramaturgia, da mais rica e cheia de complexidades que puder", diz Aronofsky.

No Brasil, a versão dublada de "A Baleia" contou com um esplendoroso desempenho de Guilherme Briggs como a voz nacional de Fraser.

Em outras latitudes da streamingesfera, um outro longa com aura de cult, "O Mauritano" ("The Mauritanian", 2020), de Kevin Macdonald, também ganha novo ânimo, na grade da MUBI. Laureado com o Oscar de melhor documentário por "Munique, 1972: Um Dia em Setembro" (1999), o cineasta escocês anda colhendo frutos pela taquicárdica reconstituição do drama de Mohamedou Ould Salahi, um engenheiro elétrico mauritano que foi detido injustamente em Guatánamo, em 2002, e lá ficou até 2016, tendo sofrido toda sorte de torturas, sob a suspeita de ser um dos responsáveis pelos atentados do 11 de Setembro. Tahar Rahim tem uma magistral atuação no papel de Mohamedou. Jodie Foster, que contracena brilhantemente com ele, vivendo sua advogada de defesa, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante por sua interpretação.