Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Ian McShane: 'Gosto de personagens com carências'

Ao som de Julio Iglesias, Ian McShane vive o assassino Wilson no longa 'American Star', ainda inédito no Brasil | Foto: IFC Films

Aclamado nos anos 2000 no arquétipo de durão no papel de Al Swearengen, o dono do Gem Saloon na série "Deadwood: Cidade Sem Lei", o inglês Ian McShane desembarca no Brasil neste fim de semana, para participar da Comic-Com Experience (CCXP), em São Paulo. A maior feira nerd do país vai realizar um painel sobre "Bailarina - Do Universo John Wick" ("Ballerina"), com Ana de Armas. É uma das produções mais esperadas para 2025.

Aos 82 anos, o astro assume um papel crucial no longa-metragem, assim como nos demais títulos da franquia sobre um assassino ferrabrás protagonizada por Keanu Reeves. No papel de Winston, espécie de gerente do Hotel Continental (o epicentro de um clã de matadores), McShane reinventou-se aos olhos da cultura pop. Ampliou essa reinvenção ao estrelar a série "Deuses Americanos", da Amazon Prime. Esses diálogos que trava com plateias jovens abriu espaço para que o ator, revelado no início da década de 1960, pudesse apostar em empreitadas mais pessoais, como é o caso do thriller existencialista "American Star". Inédito em circuito brasileiro, essa narrativa de ação mais "cabeça" hoje busca visibilidade na corrida pelas láureas da Oscar Season, a temporada de premiações que antecedem a entrega da estatueta hollywoodiana. O Globo de Ouro é parte delas e organizou uma coletiva online com jornalistas do mundo todo (com a presença do Correio da Manhã) para ouvir Ian.

Sob a direção de Gonzalo López-Gallego, com um roteiro escrito por Nacho Faerna, McShane tem uma atuação devastadora no papel de Wilson, um assassino profissional cansado de anos a fio de guerra - e solidão. Sua missão atual se passa em Fuerteventura, uma das ilhas do arquipélago espanhol das Canárias. Lá, a demora para localizar seu alvo abre a deixa para que ele desfrute de férias e faça amizades. O perigo, contudo, permanece à sua espreita.

Na entrevista a seguir, via Zoom, McShane, popularizado nos anos 1970 em "O Quinto Mosqueteiro" (1979), fala sobre composição desse taciturno agente da morte.

Quel perfil de heroísmo sustenta a figura de Wilson, em "American Star"?

Ian McShane: Ele não é um herói no sentido clássico por ser mais reativo do que proativo. Se há algo de heroico nele, está na forma como ele se comporta em seu trabalho, como um operativo do governo com dramas pessoais. Pensamos mais aqui na referência taciturna de "O Samurai", de Pierre Melville, com Alain Delon (galã morto em agosto deste ano). Aliás, que Deus o abençoe. No trabalho com Gonzalo, não tentei fazer de Wilson um tipo machão. Gosto dos personagens com carências. Wilson é um sujeito que acredita ser capaz de resolver as coisas do seu modo e, no processo, encontra sua humanidade perdida.

Que conexões essa narrativa trava com clássicos do thriller inglês como "Carter, o Vingador", de Mike Hodges, um pilar do gênero que "American Star" parece perseguir?

Ian McShane: Você citou um grande filme é é parte essencial do filão dos filmes ingleses de gângsters, nos quais havia um arquétipo de vilão bem demarcado, numa triagem do submundo britânico. Aqui, nosso olhar é sobre a experiência de um homem que volta às suas raízes e se depara com tudo o que não teve a chance de viver antes. Uma hora, ele ouve Julio Iglesias e a letra da canção ("Me Olvidé De Vivir") traduz o que ele sente. Numa ilha isolada, como é o espaço onde ele se encontra, você sai da realidade. É curioso que, em geral, oferecem a mim papéis que falam muito. Aqui, existe o silêncio, pouco acontece. Os encontros forçam Wilson a falar, num ambiente que o deixa intrigado.

Como foi o processo de construção do personagem com Gonzalo?

Ian McShane: Estive nesse projeto desde suas fases iniciais e participo dele como produtor e ator. Gonzalo é um cineasta muito bom de lidar com os atores, pois ele deixa as coisas fluírem com naturalidade. Como intérprete, você precisa estar sempre preparado. Eu já atuo há muito tempo. Trabalho nessa desde 1962, mas ainda me encanto pelo cinema e ainda adoro ver filmes. Passo pela Comic-Com Experience agora para falar de "Ballerine", ligado ao universo de "John Wick".