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O rei do melodrama mauricinho

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Sinceridade é a matéria que sustenta os personagens do diretor francês Arnaud Desplechin, vide sucessos como "Os Fantasmas de Ismael", atração de abertura do Festival de Cannes de 2017, hoje no ar no streaming Reserva Imovision e na MUBI. Sincero é seu olhar sobre a arte, sintetizado num desabafo ao Correio da Manhã: "Adoro chorar".

É com essa frase que ele justifica seu encanto por histórias de amor descabeladas que filma de um jeito peculiar: é sempre palavroso, faz evasões ultrarromânticas no tempo, mas é cauteloso para jamais elevar o nível de sacarose de suas tramas ao excesso. Seu estilo é classificável na ótica brasileira como "melodrama mauricinho".

O que o cineasta nascido em Roubaix, há 64 anos, fez de mais potente desde sua estreia, em 1991 (com "La Vie Des Morts"), integra a retrospectiva de sua obra no Festival Laceno d'Oro, em Avelino, na Itália, onde receberá um troféu honorário pelo conjunto de sua carreira. No sábado, ele ministra por lá uma masterclass sobre seu método de dirigir consagrado com sete indicações à Palma de Ouro, uma láurea de melhor documentário em Veneza (dada a "L'Aimée", em 2007) e o Prêmio SACD da Quinzena de Cannes, confiado em à sua obra-prima, "Três Lembranças Da Minha Juventude" (2015).

"Não sigo hipóteses, sigo desejos, por isso a base de um bom melodrama é: a) a certeza de que não existem respostas para a dor; e b) a busca por uma trilha de descarrego para o ódio que ronda os protagonistas. Aprendi isso na telona. O que faz de mim um típico cinéfilo francês é o amor que tenho pelo cinema americano. Foi com Hollywood que aprendemos a amar o cinema sobre todas as coisas e criar o nosso modo de rever o que eles mostram em seus filmes mais autorais", disse Desplechin ao Correio no Fórum Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, em Paris. "Talvez eu tenha o meu jeito de filmar, mas o que sei conscientemente dele é o fato de ver cada ator ou atriz como uma incógnita a ser desbravada, pois cada estrela me abre uma pergunta. Por exemplo, Marion Cotillard, com quem filmei 'Briga Entre Irmãos' há pouco tempo, tem uma capacidade única de humanizar tragédias".

Experiência rara de Desplechin em língua inglesa, "Terapia Intensiva" ("Jimmy P.", 2013), com Benicio Del Toro, pode ser vista hoje pela cinefilia brasileira na Amazon Prime. O longa faz parte da mostra em sua homenagem em Avelino, que projeta ainda seu título mais recente, o ensaio meio documental meio ficcional "Spectateurs!", sobre a cultura das salas de exibição.

"É o meu momento Fellini, meu 'Amarcord' de memórias", diz Desplechin. "A tela torna a minha vida maior".