Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Lá se vão dez anos desde o pernambucano George Moura tomou a TV brasileira de assalto com a surpreendente virada de roteiro de "Amores Roubados", ao mesmo tempo em que repaginou um clássico da telinha, "O Rebu", também de 2014, com sua escrita fina, entre a sociologia e a poesia. Mais e melhores surpresas aguardam a teledramaturgia, começando pelo Globoplay, com a estreia de seu novo projeto (sempre em parceria com Sergio Goldenberg), "Guerreiros do Sol", um exemplar do filão Nordestern - um termo que designa faroestes no cangaço, capazes de transbordar as cartilhas do gênero. A série vai ser lançada em abril.
Fala-se de desajuste social em sua trama, e de justiçamento, mas há o amor... sempre há. Só é cedo para saber se um dos temas centrais da obra de Moura, a força da maternidade, aparece nesse seu sertão ardido de pólvora. O assunto bate ponto firme na mais recente incursão dele no cinema, "As Polacas", que chega ao circuito no dia 12, sob a direção de João Jardim, com quem o roteirista nascido no Recife, em 1963, trabalhou antes em "Getúlio" (2014). Seu novo longa-metragem se passa no Rio de 1917. Nessa data, fugindo da perseguição aos judeus, dos horrores da I Guerra e da fome na Europa, a polonesa Rebeca (Valentina Herszage) chega ao Brasil para reencontrar o marido e iniciar uma nova vida. Ao contrário das promessas de felicidade, a realidade que vai encontrar no Brasil é de submissão. Ela descobre que seu companheiro morreu e acaba refém de uma rede de prostituição e tráfico de mulheres, chefiada por Tzvi (Caco Ciocler). Mesmo tendo que transgredir com suas próprias crenças, Rebeca encontra aliadas. A vivência das angústias de ser mãe é parte desse universo .
Na entrevista a seguir, Moura - que se graduou em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e fez mestrado em Artes Cênicas na USP - analisa os traços identitários de sua trajetória na arte, pontuada por sucessos como "Onde Nascem Os Fortes" (2018), "O Canto da Sereia" (2013) e "Linha de Passe" (2008).
Você tem parceiros fiéis nas múltiplas mídias para as quais escreve, como José Luiz Villamarim, Sergio Goldenberg e Walter Carvalho. João Jardim também parece fazer parte desse rol. O que a experiência documental dele transparece na maneira como Jardim opera seus roteiros, como se viu em "Getúlio" e como se vê agora em "As Polacas"?
George Moura: De fato, sou um homem de casamentos artísticos monogâmicos, só que são alguns casamentos que se sucedem e são movidos pelas afinidades eletivas. Com João Jardim, o primeiro dado tem relação direta com as escolhas temáticas, sempre muito ligada aos fatos da realidade. Foi assim em "Getúlio" e é agora também "As Polacas". Outro dado não menos importante é a maneira sensível com que ele conduz a realidade em direção à poesia, mesmo que essa transposição, às vezes, seja brutal. É sempre um prazer a parceria com João Jardim porque ele tem a habilidade de conciliar a âncora da realidade com as asas da imaginação. É como se a narrativa estivesse sempre se equilibrando entre a terra e o céu que nos protege.
Sua dramaturgia (na TV, mas também na telona, vide "Linha de Passe") é lotada de mães. O que a figura materna simboliza para a cruzada feminina de resiliência de "As Polacas"?
A mãe é tudo, e a força simbólica e real que elas contêm são matéria infinita para a dramaturgia. A Rebeca de Valentina Herszage é um vulcão silenciosa que emerge no curso da história do filme em direção à libertação. E um dos aspectos de sua força motriz é a maternidade; ela precisa e quer salvar o filho. Como homem e roteirista tenho fascínio pelas mulheres e em especial pela coragem e tenacidade, sem alarde, que elas têm.
O quanto do seu Nordeste se faz presente em "Guerreiros do Sol"?
A série original do Globoplay, "Guerreiros do Sol", que conta a história de amor do casal de cangaceiros Rosa e Josué, em meio a uma guerra, é o meu Nordeste mais profundo e fascinante, que é o Sertão. É uma saga livremente inspirada na vida de vários casais de cangaceiros, entre eles, Lampião e Maria Bonita. E a guerra se passa nos anos 1920 e 30, que é a guerra de formação do Brasil moderno, onde, na ausência do Estado, a lei que vale não é a escrita no papel e, sim, a lei do mais forte.
O que o cangaço simboliza para um ideal brasileiro de reação sociológica à opressão?
O cangaço é um universo para o cinema brasileiro, assim como é o Velho Oeste para o cinema norte-americano e os samurais para o cinema oriental. São arquétipos, hora tratados como heróis, hora tratados como foras da lei. Em "Guerreiros do Sol", o cangaço é retratado não exatamente como ele foi, mas também como ele poderia ter sido. Há uma dose de fabulação na história. Dentro dessa fabulação, o bando de cangaceiros é tratado como um espaço de busca de libertação da opressão do Estado, da polícia e do poder dos coronéis. Não há, contudo, uma simplificação para tornar herói ou vilão o cangaceiro. O que existe é um retrato que revela as ambiguidades das relações deles com os vários poderes da sociedade.
Qual foi o primeiro produto televisivo que te fisgou e te encheu de amores pela televisão?
Tenho uma memória de ter ficado fascinado pela novela "Estúpido Cupido", da Globo, mas o que me levou para o audiovisual foi o cinema alemão, sobretudo o de Werner Herzog.