Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Ainda estou Aqui' a caminho do Oscar

Walter Salles orienta Fernanda Torres no set de 'Ainda Estou Aqui' | Foto: Divulgação

Maior sucesso brasileiro de bilheteria de 2024, com cerca de 2,5 milhões de ingressos vendidos até domingo, "Ainda Estou Aqui" foi duplamente indicado ao Globo de Ouro, uma das láureas de maior prestígio da indústria do audiovisual na Oscar Season, temporada de premiações que antecedem a entrega da cobiçada estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

O drama de Walter Salles, baseado em romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva, vai disputar o prêmio nas categorias Melhor Atriz - à força do desempenho de Fernanda Torres - e Melhor Filme em Língua Não Inglesa. O anúncio foi feito na segunda pela atriz Mindy Kaling e pelo ator Morris Chestnut, sendo que o longa-metragem com mais indicações (dez) é o musical francês "Emilia Perez", de Jacques Audiard (exibido na abertura do Festival do Rio), seguido pelo drama americano "O Brutalista", de Brady Corbet, que concorre em sete frentes.

Os troféus serão entregues em 5 de janeiro, no Beverly Hilton Hotel, na Califórnia, durante a cerimônia organizada pela Golden Globe Organization, que reúne 334 correspondentes da imprensa estrangeira, de 85 países, especializados em expressões artísticas. Criado em 1944, o prêmio foi dado uma vez a Salles, em 1999, por "Central do Brasil" (ganhador do Urso de Ouro de 1998), com Fernanda Montenegro, mãe de Torres, que faz parte do longa-metragem sobre a advogada e ativista Eunice Paiva (1932-2018). Ela e a filha se revezam nesse papel, em fases históricas distintas, numa trama com sequências em 1971, em 1996 e 2014, centrada na luta para expor crimes de estado durante a ditadura militar de 1964 a 1985.

Exibido mundialmente pela primeira vez em setembro no Festival de Veneza, de onde saiu com o prêmio de Melhor Roteiro (escrito por Heitor Lorega e Murilo Hauser), "Ainda Estou Aqui" vai encarar o arrasa-quarteirão "Emilia Perez" na caça ao Globo de melhor produção de DNA estrangeiro. A produção parisiense vendeu 1.067.268 entradas em seu país. Lá mesmo, em Cannes, na disputa pela Palma de Ouro, Audiard ganhou o Prêmio do Júri pela saga (cantada em espanhol) de um chefão do tráfico do México que transiciona, para assumir identidade feminina, e renasce como Emilia. O papel é da espanhola Karla Sofía Gascón, que saiu da Croisette com um prêmio coletivo de atuação feminina compartilhado com Adriana Paz, Zoe Saldaña e Selena Gomez. As duas últimas disputam o Globo de Atriz Coadjuvante.

No caminho de Waltinho estão ainda "Tudo O Que Imaginamos Como Luz" ("All We Imagine as Light", da Índia); "A Garota da Agulha" ("The Girl with the Needle", da Dinamarca); "Vermiglio", da Itália; e "The Seed of the Sacred Fig", misto de drama e thriller com CEP do Irã que vem sendo indicado pela Alemanha, que o coproduziu. O motivo: seu diretor, Mohammad Rasoulof, nascido em Shiraz, há 52 anos, está sob perseguição da autoridades iranianas, e se refugiou em terras germânicas. Integrantes de sua equipe e de seu elenco foram presos.


 

Concorrência forte para Fernanda Torres

Em cartaz há um mês, o filme já foi visto por mais de 2,5 milhões de pessoas no país | Foto: Alile Dara Onawale/Divulgação

Aconcorrência de Fernanda Torres é forte. O Globo de Ouro divide parte de seu rol de premiações entre dois blocos: Drama e Comédia/Musical (que, estranhamente, inclui terror e ação). A carioca foi para o front das atuações dramáticas, e tem como adversárias Pamela Anderson ("The Last Showgirl"); Angelina Jolie ("Maria"); Nicole Kidman ("Babygirl"); Tilda Swinton ("O Quarto Ao Lado") e Kate Winslet ("Lee").

Premiada em Cannes, em 1986, por "Eu Sei Que Vou Te Amar", a estrela de marcos do nosso teatro ("A Casa dos Budas Ditosos") e de nossa TV ("Os Normais") vem sendo elogiada em todos os festivais por onde "Ainda Estou Aqui" já passou, incluindo mostras em San Sebastián, Nova York, Toronto e Marrakech. No enredo de Salles, sua personagem Eunice leva uma rotina feliz, no Rio do início dos anos 1970, com as filhas (Vera, Eliana, Nalu e Babiu) e o filho (Marcelo), até militares à paisana levarem seu companheiro, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (papel de Selton Mello), para depor, sem explicações. Nunca mais dão notícias do paradeiro dele. Dali, ela se engaja numa cruzada em prol da verdade e vai estudar Direito para brigar contra as armadas de farda.

"Minha geração chegou ao cinema após 21 anos de ditadura militar. Muitas histórias não puderam ser contadas durante esses anos de chumbo", lembra Salles, em entrevista por e-mail ao Correio da Manhã.

"Teria sido lógico abordá-las, mas o desastre do governo Collor no início dos anos 1990 nos obrigou a lidar com uma realidade imediata de um país novamente em crise. Quando a extrema direita começou a ganhar força no Brasil, ficou claro o quanto nossa memória dos anos de ditadura militar era frágil".

Ele e Fernanda trabalham juntos antes em "Terra Estrangeira" (1995) e "O Primeiro Dia" (1998) - em codireção com Daniela Thomas. Produzido por Maria Carlota Bruno ("No Intenso Agora") e Rodrigo Teixeira ("A Vida Invisível"), "Ainda Estou Aqui", que ganhou o prêmio de júri popular da Mostra de São Paulo, é o primeiro longa de ficção de Walter depois de um hiato de 12 anos, iniciado depois do lançamento de "Na Estrada" ("On The Road", 2012). Nesse período, ele lançou o .doc "Jia Zhangke, um Homem de Fenyang" (2014) e rodou curtas ("Quando a Terra Treme"). Em 1999, o cineasta concorreu ao Oscar com "Central do Brasil", mas perdeu para "A Vida É Bela", do italiano Roberto Benigni. Fernandona foi indicada em terras hollywoodianas também, mas foi preterida em favor de Gwyneth Paltrow, em "Shakespeare Apaixonado".

No passado, acreditava-se que a vitória no Globo de Ouro era uma garantia de Oscar, mas hoje já se sabe que não, apesar de assegurar prestígio a suas/seus nomeadas/os. O maior peso no futuro dos oscarizáveis vem dos prêmios de entidades de classe, com destaque para duas: o Sindicato de Atrizes e Atores, o Screen Actors Guild (SAG) e o Sindicato de Produtoras/es, o Producers Guild of America (PGA). O primeiro anuncia seus concorrentes em 8 de janeiro e entrega suas láureas em 23 de fevereiro. O PGA revela seus indicados em 10 de janeiro e contempla seus eleitos em 8 de fevereiro.

Em 17 de dezembro serão divulgadas as shortlists (espécie de eliminatória) da Academia de Hollywood, para algumas categorias. Trata-se de uma peneira dos 15 longas que passam pelo primeiro crivo da instituição em quesitos como Melhor Filme Internacional. Desse contingente saem os indicados, cinco ao todo, a serem anunciados no dia 17 de janeiro, quando sai a lista oficial de concorrentes que estarão em concurso na cerimônia hollywoodiana, agendada para 2 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles. Há 90 produções inscritas, do planeta inteiro. O mais importante periódico do mundo quando o assunto é a indústria audiovisual, a "Variety", já bateu o martelo em prol de Walter. Segundo a publicação, o relato sobre Eunice já faz parte do "clube dos cinco", ao lado do documentário "Dahomey", do Senegal, que ganhou o Urso de Ouro de Berlim, e do drama musical "Kneecap" (Irlanda).

Nos demais quesitos do Globo de Ouro deste ano, a categoria Trilha Sonora tem como seu favorito o filme "Rivais", com músicas de Trent Reznor & Atticus Ross. Entre suas canções está "Pecado", cantada pelo baiano Caetano Veloso.

Fenômeno pop na seara do body horror, "A Substância" ("The Substance"), de Coralie Fargeat, hoje em circuito e em streaming (na MUBI), conseguiu emplacar uma indicação de Melhor Atriz (de Comédia/Musical) para Demi Moore, repaginando a fama da diva dos anos 1980 e 90. Ela vive uma atriz fracassada que se submete a um experimento para rejuvenescer. Sua adversária mais forte é Mickey Madison, estrela de "Anora", que ganhou a Palma de Ouro de Cannes ao falar das peripécias de uma stripper ao se casar com um milionário russo doidão. Entre os atores, Sebastian Stan chama a atenção por ter sido indicado tanto front cômico quanto no dramático. Concorre por "O Aprendiz" ("The Apprentice"), no papel de Donald Trump, e por "Um Homem Diferente", que lhe valeu o Urso de Prata de Interpretação na Berlinale.

Além de premiar o cinema, o Globo de Ouro também entrega troféus a produções de TV e de streaming. Na seara da dramaturgia serializada, os concorrentes com mais indicações são "O Urso" (na comédia, nomeado em cinco categorias) e "Shogun" (no drama, nomeado para quatro prêmios).

Durante a festa da Golden Globe Organization, a atriz Viola Davis vai receber um troféu honorário, o troféu Cecil B. DeMille, pelo conjunto de sua carreira.