Jean-Claude Van Damme do Brasil, Aluízio Li está de volta. Regressa à telona para desafiar a pobreza, a falta de esperança e (em especial) o mau humor na continuação de "O Shaolin do Sertão" (2016), uma rara incursão do cinema brasileiro na seara das artes marciais (mas com alma de chanchada), que vendeu cerca de 600 mil ingressos em sua carreira comercial. Halder Gomes, o Spielberg de Fortaleza, finaliza a filmagem do longa - que tem o subtítulo "A Voadora 360°" - neste sábado, fazendo de Edmilson Filho seu Daniel San nesse "Karate Kid" cheio de risos e bordoadas, idealizado para aplacar um pedido da cinefilia nacional.
"É raro um dia alguém passar por mim e me reconhecer como cineasta sem perguntar: 'Vai ter o Shaolin 2?'. Com essa vontade do povo por uma sequência, o projeto foi amadurecendo e a gente está encerrando o set agora, com uma história ambientada dez anos depois do original, quando a vida deu muita paulada no Aluízio", explica Halder, craque de tae kwon do, ex-dono de academia que despontou como realizador ao emplacar o sucesso de público "Cine Holliúdy" (2013), que ganhou uma parte dois e acabou transformado em série na Globo tamanha foi a popularidade conquistada em circuito, sobretudo em seu estado natal.
"Estou pensado na sequência de 'Bem-vinda a Quixeramobim', que lancei em 2022, também, mas essa aposta em franquias não é algo premeditado. É só uma resposta à relação afetiva que minhas histórias despertaram, com personagens que geram identificação e sensação de pertencimento".
Multidões gargalharam com a aventura original de Aluízio, um fã de filmes de Hong Kong que resolve desafiar os valentões do interior do Ceará após treinar com um mestre, o Chinês, uma espécie de Sr. Miyagi encarnado pelo cantor Falcão. As vitórias que conquistou lhe deram respeito e uma série de aprendizes. Uma década depois delas, num Brasil diferente, ele está duro, sem um pau para dar no gato, e sem turmas, contentando-se com um só aluno, Micróbio (vivido por João Pedro Frota). Seu objetivo agora é recuperar os sonhos perdidos.
"Aluízio era um cara ingênuo e alienado, mas a vida deu muita paulada nele. Sua trajetória vai avançar agora numa dramaturgia em estrutura de game, tipo 'Mortal Kombat', num road movie pelo Ceará. Filmamos em Quixadá, em Aquiraz e, agora, na capital, mas há uma questão transcendental esse seu retorno, na relação com sua mãe, vivida por Fafy Siqueira", diz Halder, que lançou este ano o drama "Vermelho Monet", a primeira parte de sua "Trilogia das Cores", que avança nos próximos meses com o filme "Azul Vermeer", hoje em desenvolvimento.
Além de Edmilson, de Fafy e de Falcão, Halder trouxe também o roteirista de "O Shaolin do Sertão" parte um, L.G. Bayão (de "Motorrad"), para sua nova arena, que inclui Priscila Fantin e Marcelo Serrado no elenco.
"O Aluízio precisa ser esperto pra sobreviver, mas inocente o suficiente pra sonhar. É um personagem especial, bem brasileiro", diz Bayão, responsável pelo roteiro de "O Maníaco do Parque", sucesso da Amazon Prime que encerrou o Festival do Rio, em outubro.
Preparando-se para lançar "C.I.C. - Central de Inteligência Cearense", também com Edmilson, Halder conta que "O Shaolin do Sertão" nasceu de sua paixão por ídolos cinematográficos do kung fu como Bruce Lee (1940-1973), que via em salas de projeção do interior.
"Eu me encantei com astros chineses de filmes de luta que vi nos anos 1970 e resolvi praticar artes marciais, chegando a participar de torneios no Brasil e no exterior, o que me levou a ser um stunt fight (dublê de lutas), antes de começar a dirigir. Edmilson é um exímio artista marcial também. A gente agrega esse conhecimento que temos às comédias, integrando coreografias e movimentos que possam ser bonitos na câmera", diz Halder, que renova a parecia também com sua habitual diretora de fotografia, Carina Sanginitto, ao rodar as peripécias de Aluízio. "Nos EUA, o herói não falha, mas como a nossa cultura não é bélica, nosso protagonista não é infalível. Tem outras virtudes que compensam suas falhas. O meu 'Shaolin' é forjado em exemplos que não são os de Hollywood e, sim, da China, de Hong Kong. Misturo essa referência com elementos culturais do Brasil, criando um caldo espesso, que surpreende".