Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Voz da memória

Baldin saiu de Santa Catarina para ganhar os palcos do exterior com sua voz | Foto: Divulgação

Googlando o nome de Aldo Baldin (1945-1994) em bons buscadores da web, chega-se a uma performance do tenor catarinense, gravada em 1987, testando a extensão (e ponha extensão nisso!) de sua voz a serviço de J. S. Bach (1685-1750). No YouTube, encontra-se um LP dele, acompanhado pelo pianista Paul Dan, a passear por Schubert, Brahms e Strauss. A trajetória meteórica do cantor lírico brasileiro na cena musical europeia, sobretudo na Alemanha, inspira uma investigação documental delicada perpetrada pelo jornalista e cineasta Yves Goulart, que nasceu na mesma cidade dessa ave canora que homenageia numa costura de imagens de arquivo e depoimentos: Urussanga (SC). Vai ter sessão do longa-metragem nesta quinta, às 18h, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB - Rio, com apoio da Cinemateca do MAM). A entrada é franca.

"O maior presente que Aldo deu à sua terra natal, Urussanga, foi a gravação publicada em 1987 pela Kuarup Discos: o LP "Heitor Villa-Lobos - Serestas, Bachianas & Canções". Na capa, estão Aldo Baldin e a Igreja Matriz de sua cidade, o que foi uma maneira de homenageá-la", conta Yves, ao Correio da Manhã. "Na época, esse LP foi finalizado com doações da comunidade urussanguense. A viúva do cantor, a violinista Irene Flesch Baldin, confessou que o desejo de Aldo era também gravar um disco com canções populares italianas para sua cidade, mas, infelizmente, não deu tempo".

Diretor de "Villa-Lobos por uma Soprano" (2011) e "Francisco de Assis: Uma Lição de Vida" (2014), Yves vive entre Brasil e Nova York há quase duas décadas e descobriu Baldin em 2009, quando uma amiga apresentou a ele o LP com referência a Urussanga. "O que Aldo trouxe de mais encantador para a música o domínio de vários estilos. Ele dominava com excelência Mozart, Bach, Rossini, Verdi, Mahler, Villa-Lobos, Claudio Santoro, entre outros, com uma técnica que respeitava as épocas de cada compositor. Por isso, suas gravações servem de referência até hoje para alunos, pesquisadores e admiradores do canto lírico". Continua na página seguinte

 

Filme amplia interesse pelo artista

O cineasta Yves Goulart na Sala Grande Otelo durante o In-Edit Brasil, Festival Internacional do Documentário Musical | Foto: Acervo pessoal

Algumas dessas gravações podem ser encontradas em CDs e LPs à venda na Internet, e pouco a pouco, estão sendo republicadas no Spotify por importantes selos e gravadoras com os quais ele trabalhou durante a sua carreira. A circulação do filme "Aldo Baldin - Uma Vida pela Música" por festivais no Brasil e nos EUA (em Miami e NY) amplia o interesse pelo artista.

"Descendentes de imigrantes italianos, que colonizaram o sul de Santa Catarina, tinham o hábito de cantar na roça. Na família Baldin, não era diferente", conta Yves. "Quando criança, Aldo e as irmãs cantarolavam canções folclóricas e árias de ópera entre a casa e lavoura, conforme relembra, com nostalgia, a sua irmã Delfina Baldin, no filme. Baldin trazia na alma o espírito das músicas napolitanas, como 'O Sole mio'. Ao mesmo tempo que ele dominava os clássicos, gostava de cantar as músicas populares italianas, inclusive as brasileiras, como 'Azulão', de Manoel Bandeira e Jaime Ovalle, ou 'Ouve o Silêncio', de Santoro e Vinicius de Moraes".

Quando chegou à casa de Irene, em junho de 2012, para gravar entrevistas, o diretor ganhou da companheira de Aldo três fitas cassetes gravadas por seu finado marido, alguns dias antes de ele morrer. Nos K-7s, ele narra em primeira pessoa sua trajetória desde a infância, andando descalço com frio de zero grau para ir à escola primária. Nesses áudios, ele fala ainda de sua estreia na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) e relembra sua chegada ao Rio de Janeiro, morando em uma pensão na Lapa, cantando em casamentos para sobreviver. Entre as recordações, estão a conquista de uma bolsa de estudos na Alemanha e a chance de cantar com grandes maestros, como Herbert von Karajan, no Vaticano, na Missa da Coroação de Mozart. Essa gravação serve de espinha dorsal ao filme.

"Também tive acesso a mais de vinte mil fotografias em papel e slides. Nas imagens, vemos a vida íntima de Aldo com a família, seus dias da escola de canto, a interpretação de personagens na Deutsche Oper Berlin. São cerca de 40 fitas Beta de duas horas de duração cada, com gravações inéditas de Aldo cantando em casa, no piano, além de registros de concertos e de entrevistas das televisões alemãs", conta Yves, que também assina a delicadíssima montagem do longa. "Todo esse material, de mais de quatro mil horas, estava quase mofando, mas foi digitalizado em Berlim para ser usado no documentário, sem contar as 70 fitas cassetes gravadas nos concertos, que Aldo fazia questão de registrar ao vivo. Perguntei pra Irene o porquê de todas essas gravações e ela respondeu que era para o acervo dele e, principalmente, para estudos da sua própria técnica. No início, essa imensa quantidade de material me dava uma angústia de como contar a história de Aldo sem perder a essência de sua biografia. Irene foi essencial durante o processo de seleção do material utilizado no documentário e, além disso, ela assina a direção musical. Sem ela, o encaixe preciso das músicas na narrativa do filme não seria possível. Para cada momento ou situação no roteiro, a música entra como um fio condutor. Eu não queria fazer um documentário somente de cabeças falantes, mas, sim, utilizar as músicas cantadas por ele como elementos de narração da sua história. Por isso, eu chamo o filme de um documentário operístico".