Indicado ao Oscar por "A Imagem Que Falta" (ganhador do Prêmio Un Certain Regard de Cannes em 2013), o cambojano Rithy Panh escreveu seu nome no livro de ouro do cinema autoral com tintas documentais, em ensaios com bonecos ou imagens de arquivo, mas sempre levou atores de prestígio para a narração de seus filmes. Essa relação com a direção de estrelas europeias e o interesse em explorar veredas da fabulação (sem deixar de lado seu interesse pela memória) o levaram a convidar Irène Jacob e Grégoire Colin, estandartes da França nas telas, para estrelarem sua imersão no terreno ficcional: "Encontro com o Ditador" ("Rendez-vous Avec Pol Pot"). A produção estreia no Brasil nesta quinta, após uma elogiada passagem pelo Festival do Rio, em outubro.
Inspirada no livro "When the War Was Over: Cambodia and the Khmer Rouge Revolution", de Elizabeth Becker, o longa-metragem acompanha o empenho de um grupo de jornalistas franceses para conduzir uma entrevista exclusiva com o líder Pol Pot (1925-1998). Tudo parece tranquilo, mas o regime político dele está em declínio e a guerra contra o Vietnã ameaça o país de uma invasão. Procurando culpados, o governo comete secretamente um genocídio e a bela imagem nacional é destruída perante os olhos do time de repórteres, revelando o horror.
"O Mal e a Esperança se alternam nesta narrativa que usa a repetição, sempre que necessário, a fim de devolver a imagens do passado uma dimensão poética. Há muita informação hoje nas telas, mas pouca contemplação, algo que se estabelece quando a dimensão crítica do cinema se faz presente, a partir de um questionamento das práticas intolerantes", explicou Panh em entrevista ao Correio da Manhã na Berlinale, quando o projeto foi finalizado.
Na ocasião, ele concorria ao Urso de Ouro com "Tudo Vai Dar Certo", que rendeu a ele a láurea de Melhor Contribuição Artística do Festival do Berlim, sendo exibido em solo nacional no É Tudo Verdade, a maior maratona documental das Américas. Trata-se de um ensaio com uma porção fabular, na qual animais escravizaram os seres humanos e conquistaram o mundo. A partir dessa premissa fantásticas, Panh perseguia sua trilha de diretor autor habitual ao falar de um de seus fetiches: o apagamento da memória. O caminho para isso é retratar a destruição de monumentos históricos.
"Meus filmes buscam criar, a partir do som, um desenho sensorial que potencialize registros de dor", disse Pahn, quando exibiu "Encontro com o Ditador" pela primeira vez, em maio, em Cannes, em maio, fora da disputa pela Palma de Ouro.
Por lá, o desempenho de Irène Jacob arrebatou resenhas elogiosas.
"Gosto muito de perceber que a diversidade do cinema não me deixa engessada numa caixa, mas, pelo contrário, tira a minha imagem e o meu trabalho de rótulos. Gostei muito de atuar nesse filme, pois é bom saber que narrativas inquietas seguem vivas, correndo o mundo", disse Irène ao Correio da Manhã, em agosto, ao ser homenageada com um prêmio honorário no Festival de Locarno, em meio à circulação do longa de Pahn por mostras estrangeiras.
Na Croisette, o realizador revelou se inspirar no legado de Alain Resnais (1922-2014), o mítico diretor de "Hiroshima, Meu Amor" (1959) em sua desconstrução das aparências nas relações sociais, até naquelas que envolvem uma liderança ditatorial.
"Não quero que esse filme soe como um catálogo de situações violentas, mas sim de imagens que me tocam e me levam a um lugar de inquietação", disse Pahn. "Quando eu cheguei na França, vim do Camboja cheio de histórias para contar, mas não havia interlocução. Quem quereria ouvir um estrangeiro falar de estratégias de sobrevivência? Foi nesse momento que, a partir do cinema de Resnais e de Souleymane Cissé, eu encontrei um modo de expressão a partir de filmes que reagem indo na margem oposta ao imediatismo do cinema comercial".