Kryptonita no ar

A fria adesão das plateias a 'Kraven, o Caçador' expõe a falência dos filmes de super-herói, esgotados pelo excesso de ofertas, mas em vias de salvação pelo Homem de Aço

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

David Corenswat é o Homem de Aço do diretor James Gunn

 

Um dos mais peculiares inimigos do Homem-Aranha, dedicado desde 1964 (quando surgiu nas bancas) a capturar o Escalador de Paredes e pendurar a cabeça mascarada dele em sua parede de troféus, Kraven já caçou presas de todos os portes, mas nunca encarou um alvo mais difícil do que a atenção dos cinéfilos para sua tão esperada incursão nas telas. Estrelado por Aaron Taylor-Johnson (um dos atores mais cotados para substituir Daniel Craig como 007), o filme baseado nas aventuras do ferrabrás russo estreou na quinta-feira sem muito alarde, sofrendo com a desatenção da crítica.

Estima-se que tenha custado US$ 130 milhões, por conta de seus efeitos visuais recorrentes, mas só arrecadou US$ 26 milhões em seus quatro primeiros dias em cartaz, o que faz da produção um potencial fracasso. A Panini Comics, que publica as HQs do Aranha no Brasil, até ajudou e lançou um especial em formatinho (a bom preço) com suas histórias, mas nem assim o predador de frondosos bigodes colou no gosto do público.

A ideia de filmá-lo fez parte de um movimento do produtor Avi Arad para explorar a fauna de bandidos que dão trabalho a Peter Parker. O êxito da trilogia "Venom", com Tom Hardy, que faturou US$ 1,8 bilhão, foi a inspiração para títulos como "Morbius" (2022), com Jared Leto, e "Madame Teia" (2024), com Dakota Johnson - ambos ignorados em circuito. Essa esnobada é um reflexo de uma crise no filão mais rentável do cinema mundial no século XXI: os filmes derivados de quadrinhos. Apesar de "Deadpool & Wolverine" ter contabilizado US$ 1,3 bilhão na venda de ingressos, a aposta de Hollywood em vigilantes egressos das artes gráficas esbarra no desdém das massas.

Em 1998, um outro coadjuvante do Aranha, o vampiro Blade, colocou a pedra fundamental na linhagem de narrativas audiovisuais inspiradas em super-heróis ou em seu arqui-inimigos. Foi Wesley Snipes quem começou tudo. Astro de thrillers como "Passageiro 57" (1992), ele havia conquistado há pouco, em 1997, o troféu de Melhor Ator no Festival de Veneza pelo drama "Uma Noite Apenas", quando foi escalado para dar vida ao sanguessuga do Bem criado por Marv Wolfman e Gene Colan, em 1973. Sua escalação surpreendeu exibidores e gibizeiras/os. Naquela época, nada da Marvel dava certo na telona, só na TV, vide o seriado do Hulk com Lou Ferrigno pintado de verde ou desenhos animados com o Surfista Prateado. O êxito de Snipes nas bilheterias acionou o interesse da indústria audiovisual pelos tesouros dramatúrgicos da Marvel, autorizando Sam Raimi a filmar "Spider-Man", com Tobey Maguire, e Bryan Singer a rodar "X-Men - O Filme". Ambos se tornaram fenômenos e ganharam (muitas) sequências.

A sucessão de acertos de arrecadação milionária motivou o lançamento do Marvel Studios, em 2008, com "Homem de Ferro", que inaugurou a onda das cenas pós-crédito. Naquele mesmo ano, o diretor inglês Christopher Nolan bateu a barreira do bilhão com "Batman - O Cavaleiro das Trevas", da DC Comics, rodado sob o selo da Warner Bros. A chegada de "Os Vingadores", em 2012, consolidou de vez a égide dos justiceiros da arte sequencial nos écrans. Para coroar essa excelência, "Logan" (2017) fechou a Berlinale e disputou o Oscar de Roteiro Adaptado e "Coringa" (2019) ganhou o Leão de Ouro de Veneza.

Em 2022, a fria acolhida a "Thor: Amor e Trovão", de Taika Waititi, deu o primeiro indício de um cansaço da parte de espectadoras/es diante do excesso de ofertas ligadas à ficção quadrinística dos EUA. Desastres de faturamento com "Quantumania", "Flash", "As Marvels" e "Aquaman 2: O Reino Perdido", todos em 2023, reforçaram a catástrofe anunciada, que se agravou com a fria recepção dada a "Coringa: Delírio a Dois", em outubro. "Kraven, o Caçador" tomou um caixote nessa mesma onda brava, apesar de ser eletrizante, calçado na direção fina de J. C. Chandor, em especial no embate do protagonista contra o Rino, vivido por Alessandro Nivola.

A vitoriosa exceção do último Deadpool, com sua receita bilionária, vem do carisma de seus astros, Ryan Reynolds e Hugh Jackman. Não por acaso, o longa concorre ao Globo de Ouro na categoria do Melhor Blockbuster. Aliás, a Golden Globe Foundation indicou a série do Pinguim (na MAX) a três prêmios, incluindo os de Atriz e Ator, coroando os desempenhos (magistrais) de Cristin Milioti e Colin Farrell. Na França, a marola que destrona os quadrinhos no cinema também não afogou a dupla Astérix e Obélix, que, há um ano, levou 4,5 milhões de pagantes às telas para rir com "O Império do Meio", hoje na Netflix. Na Itália, a trinca de filmes baseados no ladrão Diabolik encheram salas e ganharam projeção no Festival de Roterdã.

Nos Estados Unidos, estima-se que o cineasta James Gunn pode mudar a sorte dos quadrinhos as mídias eletrônicas com "Superman: Legacy", com David Corenswet no papel do último Filho de Krypton e Nicholas Hoult como Lex Luthor. A esperada animação "Homem-Aranha: Além do Aranhaverso", ainda sem data, também deve dar uma incrementada numa forma de expressão artística 100% nerd.

A primeira prova de fogo que os quadrinhos hão de enfrentar em 2025 chega logo em 12 de fevereiro: "Capitão América: Admirável Mundo Novo". É Anthony Mackie, o Falcão, quem veste o manto do Sentinela da Liberdade, agora com direito a asas, encarando o Hulk Vermelho, interpretado por Harrison Ford, o eterno Indiana Jones. A Panini já lançou um encadernado com o Golias Rubro para apresenta-lo à ala leitora do Brasil. Agora, é contar com a força estética do filme, dirigido por Julius Onah.