Marton Olympio: 'Os últimos sucessos no audiovisual sempre passam por dramas pretos'

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Marton Olympio, roteirista e cineasta

 

Autor criador da série da Paramount "Anderson Spider Silva", indicada ao Emmy, o carioca de Marechal Hermes (criado em Brás de Pina) Marton Olympio abre 2025 com dois projetos como cineasta para surpreender as telonas com a maturidade de seu olhar sobre as ancestralidades do povo preto brasileiro. Rodou o curta "Memórias Com Vista Pro Mar" e tem um longa, "5 Pretos e 1 Pardo", para consolidar seu prestígio no posto de diretor, já testado e aprovado (lá fora e aqui) com "Mergulho", dirigido em duo com Anderson Jesus. Dirigiu também "A Dona da Banca", cujos episódios ainda não estrearam. No terreno da escrita do audiovisual, em scripts, a consagração dele está lavrada e sacramentada, vide seriados ("Cidade dos Homens") e filmes ("Alemão 2", "Sequestro Relâmpago") que assina. O garoto do subúrbio que ensaiou um flerte com a prosa, aos 12 anos ("sonhava ser Fernando Sabino nessa época"), chegou aos 50 com a fama de ser um dos roteiristas de maior destreza dramatúrgica do país. Cultiva a mesma (boa) reputação em sua atividade como professor/orientador de roteiristas, com especial destaque para seu trabalho no Laboratório de Narrativas Negras da Festa Literária das Periferias (Flup).

Nesta entrevista, Marton, neto de Seu Olympio, diz como a arte da palavra auxilia na direção.

Você tem dois filmes sobre memória(s) pela frente - "Memórias Com Vista Pro Mar" e "5 Pretos e 1 Pardo", um curta e um longa - nos quais as recordações dos personagens trazem uma camada de afirmação (além tela) da identidade negra. O que essa dimensão memorial reflete sobre ancestralidade e sobre solidão?

Marton Olympio: Talvez eu nunca tenha percebido essa dimensão. No curta, o personagem que cobra essas memórias, num viés de culpa, tem pouco tempo para resolvê-las, pois, afinal, está com 80 anos. Já em "5 Pretos e 1 Pardo", a memória é mais recente e vem puxada por meio de um trauma: a morte de um dos personagens. Acho que essa busca é uma forma de resolução desse buraco de ancestralidade que, nós, as pessoas pretas, temos. Em vez de trabalhar no viés da tragédia, no sentido dos finais infelizes, eu tento fazer com que todas as resoluções dos filmes, de certa forma, alcancem uma zona de conforto, de acolhimento. Eu quero drama, pois, adoro o drama, mas que ele não seja uma experiência cinematográfica dolorosa para quem assiste.

O quanto a escrita de roteiro te lapidou para a direção?

Ajuda muito e é um caminho. Toda vez que eu dou um curso de roteiro, ou oriento roteiristas em laboratórios, eu insisto que elas/es têm que entender a cena; saber cada movimento de cada personagem; demarcar entrada e saída; saber o tom do diálogo; saber as roupas... Não falo de enquadramentos ou planos, mas da dinâmica da cena, dos atores em cena, da temperatura. É escrever filmando, imaginando cada cena. Já tive muito diretor que reclamava da quantidade de rubricas no meu roteiro. O/A diretor/a vai seguir do seu jeito, porque cada um/a sempre vai ter sua visão artística sobre o material, mas preciso ter a minha visão. Já ouvi diversas vezes pessoas lendo roteiro meu dizendo que já estavam vendo o filme, ali, no papel. É sobre isso. É como eu vejo. Existe uma grande diferença entre o papel e a produção, principalmente quando se trata de produções nacionais. Passei por isso no "Mergulho", em "A Dona da Banca", em "Passinho, O Ritmo do Sonho", em muitos projetos. O plano de abertura do "Alemão 2", dirigido pelo (José Eduardo) Belmonte, é bem diferente do que eu escrevi, e, particularmente, acho bem melhor.

Você assina um dos maiores êxitos nacionais do streaming, a série "Anderson Spider Silva", o "Rocky Balboa" do Brasil. O quanto esse projeto testa a potência brasileira para as demandas das plataformas digitais?

Eu acho que as três indicações internacionais para prêmios do "Spider", incluindo o Emmy, mostram a potência da nossa dramaturgia. No Emmy, concorremos com uma série alemã, uma inglesa, uma japonesa... e nem imagino a verba por episódio de cada uma delas. Mesmo assim, estávamos lá, concorrendo no terreno das ideias, da dramaturgia, do roteiro, da criação... e se tratando de uma série que não era da Globo. Há uma mensagem aí, de que dá pra fazer. Pensar no "Spider" como série pop foi algo que fizemos desde o início. Tanto que, no piloto, você vê pitadas de "Rocky, Um Lutador", "De Volta Para O Futuro", "Karate Kid", "Homem-Aranha". Tá tudo ali, e o mais louco: muito de tudo aquilo é baseado na vida real de um herói negro de carne e osso.

Sua luta antirracista - expressa na frase "Vai ter preto por todo lado", usada em suas redes sociais - deu uma identidade muito característica (e política) à sua dramaturgia. Como você avalia hoje essa sua frase na prática do cinema e da TV?

No cinema, em geral, estamos tendo uma retração. Não quer dizer que o espaço esteja diminuindo, ponto, mas também não está crescendo mais - não na velocidade que crescia há três ou quatro anos. De certa forma, o sarrafo ficou mais alto, a exigência ficou maior, e o mercado se retraiu. Precisamos ficar atentos a isso, pois, nesse jogo, não podemos voltar casas. Essa dramaturgia negra é a cara da nova dramaturgia brasileira. Os últimos sucessos no audiovisual, no streaming, nas novelas e até mesmo no cinema, sempre passam por dramas pretos.

Qual foi a primeira manifestação de discurso racial da TV ou do cinema que chamou a sua atenção na sua formação como roteirista e diretor?

Talvez eu venha de uma geração anterior a essas influenciadas de um cinema negro. Com certeza, Spike Lee me impactou muito quando eu vi "Faça A Coisa Certa" (de 1989), no Estação Paissandu, ainda no século passado, mas, ali, eu já era um adolescente e já havia bebido muito Copolla, Scorsese e, principalmente, Spielberg. Talvez por isso, eu seja tão fã do Jordan Peele (o diretor de 'Corra!' e 'Nós') hoje. É engraçado como as coisas são. Meu avô, Seu Olympio, que me emprestou seu sobrenome, era muito fã de um filme chamado "O Homem do Sputnik", que foi escrito por um roteirista negro, Cajado Filho, talvez o primeiro cineasta negro brasileiro. Vi esse filme muitas vezes com seu Olympio. Com certeza, foi uma grande influência.