Laureado com o Oscar de Melhor Roteiro Original, a Palma de Ouro de Cannes e mais 121 (!) prêmios internacionais, "Anatomia de uma Queda" ("Anatomie d'Une Chute"), de Justine Triet, regressa nesta segunda ao circuito brasileiro, para a telona do Estação NET Rio, às 20h50, numa mostra em tributo à sua protagonista, a alemã da Turíngia Sandra Hüller. Tem outro filme com ela antes, às 18h20: "Nos Corredores" ("In den Gängen"), que rendeu ao diretor Thomas Stuber a láurea do Júri Ecumênico da Berlinale 2018.
A retrospectiva, com sete títulos, tem curadoria da crítica Andrea Ormond (autora do obrigatório "Walter Hugo Khouri, O Ensaio Singular"). O evento segue na terça com "A Jornada" ("Proxima"), de Alice Winocour (ganhador do Prêmio Especial do Júri do Festival de San Sebastián, em 2019), às 18h40; e "Exílio" ("Exil", 2020), de Visar Morina, às 20h50. Sandra será vista ainda este ano, em circuito, à frente do longa inédito "Rose", de Markus Schleinzer, e tem ainda outro título rodado: a sci-fi "Project Hail Mary", de Phil Lord e Christopher Miller, com Ryan Gosling.
No dia 4 deste mês, "Anatomia de Uma Queda" foi eleito um dos dez melhores filmes lançados no Brasil em 2024 na votação do Top Ten anual da Associação de Críticos/as do Rio de Janeiro (ACCRJ). Sua exibição hoje, em Botafogo, é um convite à revisão de um sucesso de público e crítica que desafiou tabus, elevando o cacife de Justine Triet. A produção, orçada em € 6,2 milhões, faturou US$ 36 milhões, tendo vendido 1,9 milhão de ingressos em telas francesas, na sua terra natal. Na França, houve controvérsias variadas em relação ao filme (um "filme de tribunal"), que ficou em terceiro lugar no ranking de Melhores Longas de 2023 da revista "Cahiers du Cinéma" (Bíblia para a cinefilia).
Ao conquistar o Globo de Ouro de Melhor Filme de Língua Não Inglesa e o de Melhor Roteiro, há um ano, a fita caiu nas graças de Hollywood. Apesar disso na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas hollywoodiana, onde concorreu em cinco frentes, o longa não teve vez no quesito Melhor Filme Internacional, pois o cinema francês preferiu indicar outro longa - "O Sabor da Vida", do vietnamita Tran Anh Hùng - como seu representante oficial. No fim de 2023, o longa recebeu ainda recebeu cinco estatuetas na cerimônia de entrega do European Film Awards (espécie de Oscar do Velho Mundo), incluindo os prêmios de Direção, Montagem e atriz, dado ao desempenho de Sandra, que estrelou, ao mesmo tempo, "Zona de Interesse", de Jonathan Glazer (hoje na Amazon Prime).
Encarada como aposta de renovação autoral na indústria europeia desde que despontou com "A Batalha de Solferino" (2013), Justine travou parceria com Sandra em seu longa anterior, o drama romântico "Sibyl", de 2019.
"Tento criar um cinema que desafie a força da palavra, mas sem subestimá-la, explorando as angústias femininas, Gosto de personagens que me permitam desafiar a moral", disse Justine ao CORREIO DA MANHÃ durante o Rendez-Vouz Avec Le Cinéma Français, em Paris, pouco antes da finalização do longa que a levou a ganhar a láurea máxima de Cannes, em 2023.
Causou rebuliço lá na Croisette ao questionar o sistema político de sua nação, reclamando de seus desajustes sociais no palco do Palais des Festivals. "O brado de Justine em Cannes expõe a dificuldade que nós mulheres ainda temos na luta para fazer cinema na Europa, mesmo diante do boom de longas de viés feminino", disse a cineasta Claire Denis, uma das mais aclamadas realizadoras francesas, ao falar da obra da conterrânea no Festival de San Sebastián, que também exibiu "Anatomia...". "O trabalho dela é impactante e pessoal".
Exibido ainda no Festival de Locarno, na Suíça, "Anatomia de uma Queda" foi o terceiro filme da História dirigido por uma mulher a levar a prestigiada honraria de Cannes para casa, sendo precedido por "O Piano" (1993), de Jane Campion, e por "Titane" (2021), de Julia Ducournau. Sua personagem principal, a escritora e tradutora Sandra Voyter (papel de Hüller) é acusada pela morte do marido, que quebrou a cabeça em decorrência de um tombo do último andar da casa onde vivem. Ela é esmagada (sob uma mirada sexista) durante o julgamento, que trás à tona infidelidades e brigas, com direito a uma DR devastadora. Apoiada numa estrutura de montagem que favorece a tensão, Justine renova um filão com um vasto histórico de sucesso popular, sobretudo em telas francesas, onde diretores como André Cayatte (1909-1989), famoso por "Somos Todos Assassinos" (1952) e "O Direito de Matar" (1950), consolidaram os enredos judiciais como um veio dramatúrgico. "É um estudo sobre o espaço privado quando este é devassado pela sociedade. Tentei, pra isso, expandir os códigos dos `filmes sobre processos legais", disse Justine ao Correio, em Cannes. "É uma análise das palavras da Corte".
A Mostra "Sete Vezes Sandra Hüller" acontece no contexto da cooperação franco-alemã #JuntesnaCultura, que une o Goethe-Institut e o Serviço de Cooperação e Ação Cultural do Consulado Francês, com o apoio do Grupo Estação. Suas últimas projeções acontecem nesta quarta com sessões de "Sissi e Eu" ("Sisi & Ich", 2023), de Frauke Finsterwalder (às 16h30), e do já citado "Sibyl". Às 21h, Andrea Ormond debate as estéticas que circundam Sandra com a cientista social, professora e pesquisadora de expressões cinematográficas Eliska Altmann.