Depois de arrebatar quatro Globos de Ouro com "Emilia Pérez", de Jacques Audiard, o audiovisual francês prepara sua ofensiva para 2025 flanqueando os festivais de maior prestígio do mundo, incluindo o de Roterdã, que começa no próximo dia 30. É lá, em terras holandesas, que a pátria presidida por Emmanuel Macron vai estrear o esperado "La Chambre de Mariana", de Emmanuel Finkiel, com Mélanie Thierry.
Seu enredo recria os dias mais sombrios da Segunda Guerra Mundial. Em meio à violência nazista, os judeus Yulia e Hugo, mãe e filho, escapam de um gueto ucraniano. Temendo por sua segurança, Yulia confia seu rebento aos cuidados de uma amiga, Mariana, uma profissional do sexo que vive em um bordel, onde o guri vai tomar contato com a aspereza da vida.
Paralelamente a esse drama de contexto bélico, as salas de Roterdã flertam com a produção francesa que foi considerada "O" filme de 2024 por escribas da revista "Cahiers du Cinéma", a Bíblia do audiovisual: o thriller "Misericórdia", de Alain Giraudie. Sua estreia no Brasil acontece neste fim de semana, quando seu diretor promete agitar Paris num fórum organizado pela Unifrance.
Essa é a entidade do governo francês cuja missão é assegurar a circulação mundial dos longas, dos curtas e dos seriados feitos em solo parisiense, em Marselha, em Nice, em Nantes e arredores, realizando o tal fórum supracitado, chamado Rendez-vous Avec Le Cinéma Français. A meta dele é atrair distribuidores e a mídia para títulos com o de Giraudie e de Finkiel. O evento é organizado num hotel em Paris (desta vez será o Sofitel Arc de Triomphe), sempre em janeiro. Nesta edição, seus trabalhos começaram na terça e vão até terça que vem.
Sua programação de exibições e entrevistas mobiliza estrelas e cineastas. Por lá devem passar talentos como a diretora Audrey Diwann - que abriu o Festival de San Sebastián, em setembro, com o remake de "Emmanuelle" - e a diva Isabelle Huppert, que presidiu o júri do Festival de Veneza, em agosto. Espera-se que o mais recente trabalho dela, "La Femme La Plus Riche Du Monde", vá representar sua nação na corrida pelo Urso de Ouro da 75ª Berlinale, agendada de 13 a 23 de fevereiro.
No dia 21, o Festival de Berlim vai anunciar seus concorrentes e já se espera uma leva francesa lá, como a sci-fi "Chien 51", de Cédric Jimenez, e o biopic "De Gaulle", de Antonin Baudry. Os dois serão badalados no Rendez-vous da Unifrance, assim como a fantasia "Kaamelott: The Second Chapter", que dá continuação ao recordista homônimo de público de 2020, sobre a Távola Redonda; a chanchada "Les Tuche: God Save the Tuche", com o Didi Mocó do Velho Mundo, Jean-Paul Rouve; e o pancadão "13 Jours 13 Nuits", de Martin Bourboulon.
Estima-se que "Misericódia" seja a atração n° 1 deste Rendez-vous, sob baixas temperaturas de um clima invernal. Giraudie fez seu lançamento mundial em maio, na seção (não competitiva) Première do Festival de Cannes. A fita passou pela Mostra de São Paulo, em outubro, ao mesmo tempo em que estreou nas salas de projeção de sua terra. Teve uma bilheteria modesta lá (207 mil pagantes) e não ganhou prêmios em mostras classe AA, embora tenha abocanhado a láurea de melhor roteiro no Festival de Vaiadollid, na Espanha. Abocanhou a "Cahiers" assim mesmo o que conta muito para seu prestígio.
Em sua trama, Jérémie (Félix Kysyk) volta à sua cidade natal para o funeral do seu primeiro patrão, o padeiro do vilarejo. Ao chegar, decide permanecer por mais algum tempo ao lado da viúva, Martine (Catherine Frot). Essa presença, no entanto, acaba perturbando o ambiente ao criar uma desavença com o filho da mulher, Vincent (Jean-Baptiste Durand). Um misterioso desaparecimento, um vizinho ameaçador e o padre local com estranhas intenções fazem a estadia de Jérémie tomar um rumo inesperado... e infernal.
"Quis fazer um filme que se ambientasse no outono, com as folhas caindo, com o assobio do vento e a chuva como balizas naturais de um vilarejo que mudou pouco dos anos 1970 até hoje, onde construo a história de solidões que se esbarram", disse Giraudie ao Correio da Manhã, em Cannes. "Já ouvi algumas analogias entre a trama e a literatura da Patricia Highsmith (diva da prosa policial), mas nunca li seus livros. Deveria. Penso essa narrativa mais como um estudo sobre o perdão, sobre o exercício da dita 'misercórdia' do título, sendo que o padre é meu personagem favorito, por estar ligado à tradição, mas também ao desejo".