Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Amar é um verbo que se conjuga com prazer na arrancada de todo ano cinéfilo brasileiro à luz da combinação entre o riso e o lirismo, com casos históricos de sucesso nessa mistura como "Separações" (em 2003), "Malu de Bicicleta" (em 2011) e "Loucas Pra Casar" (em 2014), para listar bons exemplos nacionais. Nos primeiros dias de 2025, "Baby", de Marcelo Caetano, fez o benquerer florescer em nossas telas, ao narrar o enlace entre um ex-detento Wellington (João Pedro Mariano) e um michê (Ricardo Teodoro).
Entre os lançamentos com CEP lá de fora, o que mais se alinha com o filão "gostar de alguém" é uma crônica social cheia de aspereza, gestada sob a cartilha indie dos EUA e laureada com a Palma de Ouro de Cannes: "Anora". Com estreia por aqui agendada para quinta, a saga de uma stripper que vive uma fase Cinderela ao se casar com um milionário russo doidão está cotada para o Oscar.
Tem humor (às pampas), tem lá os seus suspiros, mas não é uma narrativa que se enquadre na estética da RomCom, apelido dado por Hollywood à romantic comedy, qual "Uma Linda Mulher" (1990). Quem defende essa linhagem entre nós, neste alvorecer do primeiro semestre, é "Viva a Vida", uma combinação bem azeitada de graça, lirismo e antropologia, construído numa ponte entre Rio de Janeiro e Israel pela diretora Cris D'Amato. Será lançada no dia 30 com força para emplacar no gosto popular. Lembra o rasga-miocárdio "O Candelabro Italiano" (1962), só que no Oriente Médio.
"Eu fui criada com a 'Sessão da Tarde'. Fui alfabetizada por ela. Assistia a seus filmes logo que chegava em casa do colégio. Com ela, eu chorei muito. Com ela, sorri muito. Seus filmes ficaram em mim, assim como eu espero que 'Viva a vida' fique nas pessoas", explica Cris ao Correio da Manhã numa coletiva de imprensa no auditório do Banco Daycoval, em São Paulo.
Abalada desde 2023 pelo recrudescimento de seu conflito com a Palestina, Israel vivia tempos menos alarmantes em 2022, quando Cris - uma das diretoras de maior bilheteria do país nos últimos 20 anos - foi até lá filmar. Um percurso longo pela pátria de cineastas consagrados como Amos Gitaï e Eytan Fox foi essencial para a construção do espírito de road movie que guia a trama escrita (na medida precisa entra a doçura e a risada) por Natalia Klein. O título veio do bordão de seu produtor, Julio Uchôa, parceiro profissional da diretora há quase duas décadas. A Ananã Produções, chefiada por ele, produziu a franquia que fez da realizadora sinônimo de salas cheias: "S.O.S. Mulheres ao Mar". As partes I (2014) e II (2015) dessa saga náutica (de registro RomCom) venderam respectivamente 1.717.058 ingressos e 1.571.137 tíquetes. Ela ainda ultrapassou a barreira do milhão (de pagantes) com "É Fada!", de 2016, e "Os Parças 2", de 2019, feitos com outras parcerias. Em tudo que dirigiu, desafiou caricaturas e o sexismo.
"Nesse lugar do (filme de) gênero, a representatividade da mulher no cinema mudou e saiu do arquétipo da mocinha frágil, ganhando uma evolução, ficando mais parecido com o que a vida é", diz Thati Lopes, atris escalada para protagonizar "Viva a Vida", num desempenho inquieto, capaz de transcender a persona cômica que a consagrou nos palcos e no coletivo Porta dos Fundos, na web. "A gente sempre é colocada em caixinhas. Por isso, é bom buscar caminhos diferentes".
Exibido nos EUA, na competição oficial do 28º Inffinito Brazilian Film Festival, "Viva a Vida" dá ao circuito aquele paladar crocante das RomComs com Meg Ryan. Na trama de Klein, um par de medalhões idênticos unem os destinos da antiquária Jéssica (Thati), uma jovem desiludida com relacionamentos, e Gabriel (Rodrigo Simas), um primo distante. Os dois partem mundo afora, até Isarel, atrás de uma terceira relíquia que pertence à misteriosa Hava (Regina Braga), cuja rotina com o marido, Ben (Jonas Bloch), será sacudida com a chegada dessa dupla do Brasil. Há uma conexão de amizade entre eles, mas o Cupido vai bagunçar esse rolê.
"Quero que o espectador enxergue a Israel que encantou o meu olhar, para além daquela Israel do noticiário, numa visão de um lugar encantador, numa visão do que aquele povo vive em seu dia a dia. É um olhar de encantamento, de respeito", explica Cris. "Filmamos com técnicos que eram de lá e com profissionais daqui, mas eu trabalhei o tempo todo como se fosse uma só equipe, unida sob aquela luz linda daquela paisagem natural. Uma paisagem que ofereceu muito pro Dante (Belluti, o diretor de fotografia). Tentei olhar aquele lugar a partir de um romance que se forma de modo inusitado, sem certezas prévias. Eu sou uma pessoa romântica, embora nem todos os meus ex-maridos achem isso. Levei esse romantismo para a cena".
Ainda no dia 30, as inquietações de nosso cinema sobre os quereres da vida viram pauta em "Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais", de Renata Paschoal. Trata-se de uma antologia sobre a vontade de potência do nosso coração, com quatro histórias independentes, todas centradas em inseguranças e desejos. A melhor delas é a de um casal que se fragiliza quando decide abrir a relação para incluir uma nova integrante. Dudu Azevedo e Priscilla Rozenbaum são os achados do elenco. O roteiro se alinha com o legado anfíbio (meio teatro, meio cinema) de Domingos Oliveira (1935-2019), parceiro criativo de Renata em vários projetos. Ela produziu alguns dos exercícios audiovisuais mais respeitados e premiados do diretor e dramaturgo, como "BR 716", que ganhou um balde de Kikitos em Gramado, em 2016.
Em 2008, Domingos levou a peça "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais" aos cinemas, numa sessão no Odeon, no Festival do Rio, que trazia Pedro Cardoso em vários papéis.
"Tentei atualizar as histórias e trazer uma equidade aos casais protagonistas. Busquei dar ao filme um olhar integralmente feminino, trazendo para as histórias protagonistas que se apropriam de seus desejos, de suas dúvidas e decisões, em total equidade aos homens. Nas equipes, também tínhamos muitas mulheres em todos os setores: fotografia, som, arte, produção e etc.", diz Renata.
Na seara gringa da RomCom, o Estação NET Botafogo anda exibindo todo dia, sempre ali pelas 18h40, o espanhol "Histórias Que É Melhor Não Contar", trazida até nós pela distribuidora Pandora. Há três anos, no Festival de San Sebastián, essa belezura (cujo título original é "Historias Para No Contar") arrancou gargalhadas. O longa se apoia na afiada reflexão afetiva de seu diretor, o catalão Cesc Gay. O Brasil já se acabou de gargalhar com ele em "Truman", de 2015, que era uma dramédia. Nessa produção de 2022, Cesc conta com um elenco AA europeu. Chino Darín (filho de Ricardo) e Anna Castillo (a estrela hispânica da vez) estrelam o primeiro segmento, sobre um encontro casual num parque para cães. Maribel Verdú estrela um episódio sobre ciúmes entre amigas que falam sobre o trabalho de dublê de corpo. O bamba Jose Coronado (de "Cerrar Los Ojos") põe o filme no bolso numa trama sobre um escritor que vai pedir a namorada em casamento.
Em fevereiro, no dia 13, a RomCom marcha uma vez para a consagração, só que com tempero à inglesa, com "Bridget Jones: Louca Pelo Garoto" ("Bridget Jones: Mad About the Boy"), com a garota enxaqueca imortalizada por René Zellweger dividida entre Hugh Grant e Chiwetel Ejiofor.