Até domingo, a Caixa Cultural posiciona sua tela na fronteira simbólica entre a Alemanha e a Turquia num perímetro geopolítico estruturado pelo cineasta Fatih Akin em sucessos de público e crítica como "Em Pedaços" ("Aus dem Nichts", 2017), com o qual conquistou o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Não Inglesa. Um prêmio de Melhor Interpretação em Cannes coroou a atuação de Diane Kruger nessa doída produção, que o Centro do Rio confere nesta quinta-feira, às 17h25. Antes, às 15h, rola a exibição de "Solino", rodado pelo diretor teuto-turco em 2002. Diane é a estrela de seu novo projeto, "Amrum", uma aventura insular ambientada em 1945, já filmada e em pós-produção.
"Estou escrevendo outros dois roteiros em paralelo, incluindo uma história sobre o Império Otomano", adiantou Akin ao Correio da Manhã, numa entrevista em seu escritório, em Hamburgo, onde nasceu, há 51 anos.
Em 1998, depois de uma breve trajetória como ator, iniciada em 1994, ele se dedicou à direção de longas-metragens, começando com "Rápido e Indolor" ("Kurz und Schmerzlos"), que lhe rendeu o Leopardo de Bronze no Festival de Locarno. A retrospectiva de sua obra na Caixa, organizada sob a curadoria de Nina Tedesco e Hans Spelzon, inclui esse seu cult de estreia, com sessão esta noite, às 18h10. Seu cardápio avança até o mais recente exercício autoral do diretor, "Rheingold: O Roubo do Sucesso" (2022), que vendeu 1 milhão de ingressos em solo alemão semanas após seu lançamento. Tem projeção dele nesta quarta, à tarde, às 15h30. Nesta sexta, às 17h10, o evento abre espaço para o drama "Do Outro Lado" ("Auf der anderen Seite"), um tratado sobre intolerâncias culturais que valeu a Fatih o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes, em 2007. Já no sábado, às 17h50, rola projeção da obra-prima do realizador, "Contra a Parede" ("Head-on", 2004), coroada com o Urso de Ouro da Berlinale. É um tempestuoso retrato do benquerer com Sibel Kekilli e Birol Ünel em estado de graça no elenco.
No dia 2, a mostra chega a seu desfecho pelas veredas da não ficção, exibindo dois .docs de Akin: "Poluindo o Paraíso" ("Müll im Garten Eden", 2012), às 14h20, e "Atravessando a Ponte - O Som de Istambul" ("Crossing the Bridge", 2005). Na conversa a seguir, ele revista esses e outros hits de sua filmografia e fala de artesões autorais do cinema brasileiro que admira.
Que Alemanha você encontrou quando foi dirigir seus primeiros filmes, já imbuído da riqueza cultural da Turquia de seus familiares?
Fatih Akin - Quando eu fui rodar "O Bar Luva Dourada" (thriller sobre um psicopata da década de 1970, indicado ao Urso de Ouro de 2019), eu fui estudar os expressionistas alemães e analisar um diretor de outra nacionalidade cuja obra inicial cai num registro similar ao deles, o inglês Alfred Hitchcock. Os primeiros filmes dele, silenciosos, nos anos 1920, foram rodados na Alemanha. Por lá, nos anos 1970, nós tivermos um Cinema Novo que foi muito importante para mim, em minha formação, com Werner Herzog, Margarethe von Trotta, Alexander Kluge, Wim Wenders e, sobretudo, (Rainer Werner) Fassbinder. Hoje, eu vejo diretoras alemãs como Julia von Heinz, Maren Ade e Valeska Grisebach fazerem um cinema que surpreende.
No encerramento de sua retrospectiva, a Caixa Cultural exibe "Atravessando a Ponte - O Som de Istambul", um documentário de imersão na cena musical turca dos anos 2000. Como a música é fundamental no seu cinema?
Música é o que me inspira, em especial por ela trabalhar com a noção estética do silêncio em intervalos que a pontuam para assegurar um impacto emocional. O que eu aprendi da vida na Turquia, quando garoto, veio de histórias melodramáticas, com trilha sonora marcante, que via em VHS. Na juventude, eu via Bruce Lee com um primo meu, num projetor de super-8, e ficava surpreso de ver sequências de luta sem música nas quais os golpes dele modulavam o silêncio.
A partir de "Contra a Parede", vencedor do Festival de Berlim de 2004, esse seu interesse por expressões silenciosas passou a dar lugar a expressões caudalosas de melodrama. De que maneira o gênero te permitiu falar de amor?
Eu falo, antes tudo, das minhas origens culturais e da minha terra natal, numa junção entre a tradição cinematográfica alemã que reside em mim e as influências turcas. Acredito que a arte pode mudar o mundo e, por isso, eu faço um cinema pessoal que, nesse filme de 2004, trazia um jorro de jovialidade furioso e doído, com a influência de o diretor francês Leos Carax e seu "Os Amantes de Pont-Neuf" e algo de "Betty Blue". Era um filme que fiz antes da experiência da paternidade. Hoje, como pai, uma das minhas tarefas é alfabetizar o olhar dos meus filhos e, nessa função, outro dia exibi para eles "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, a quem eu respeito muito. Queria que as crianças conhecessem o jovem Che Guevara através do filme dele.
Em 2007, você e Salles estiveram juntos em Cannes, quando o Festival sediou a criação da World Cinema Foundation de Martin Scorsese. O que conhece do cinema do diretor de "Ainda Estou Aqui" e de filmes brasileiros em geral?
Gosto de Walter bem antes dessa agitação de Oscar em torno de "Ainda Estou Aqui", quando ele lançou "Central do Brasil", que teve um impacto grande em mim. Gosto muito do episódio dele (e de Daniela Thomas) em "Paris, Te Amo", pois gosto de como ele enquadra cidades. Sobre o cinema brasileiro em geral, eu tive influência também de Hector Babenco, de quem fui colega num júri na Berlinale de 2001.