Rugidos do tigre holandês. Vem aí o Festival de Roterdã
Um dos maiores festivais do mundo, criado em 1972, Roterdã abre nova edição no fim do mês com fartura de brasileiros, incluindo 'Ainda Estou Aqui', e narrativas de ação e suspense
É pela prata da casa - no caso, a Holanda -, representada pela comédia policial "Fabula", de Michiel ten Horn, que a 54ª edição do Festival de Roterdã vai abrir suas portas no dia 30 de janeiro, repleta de títulos brasileiros em sua programação, inclusive o representante nacional na caça ao Oscar, "Ainda Estou Aqui". O drama dirigido por Walter Salles, que rendeu o Globo de Ouro à atriz Fernanda Torres, será projetado em telas holandesas fora da disputa oficial, numa seção chamada Limelight.
Em uma de suas mostras, a Harbour, entrou o longa mineiro "Suçuarana", de Clarissa Campolina e Sérgio Borges. Há DNA nacional ainda em "¡Caigan las rosas blancas!", de Albertina Carri, uma coprodução com a Argentina e a Espanha, escalada para a Big Screen Competition, e cercada de picardia queer.
Com CEP em São Paulo, "Levante", de Lillah Halla, já em circuito, leva um debate sobre fundamentalismo e luta feminista para a mostra Education. O Brasil emplacou ainda quatro curtas nas imediações dos Países Baixos: "Quem Se Move", de Stephanie Ricci; "Tragédia", de Bernardo Zanotta; "Bisagras", de Luis Arnías; e "Fale a ela o que me aconteceu", de Pethrus Tibúrcio.
Dois marcos da pluralíssima estética pernambucana - "Baixio das Bestas", de Claudio Assis, e "O Som Ao Redor", de Kleber Mendonça Filho - foram premiados em Roterdã em edições passadas (2007 e 2012, respectivamente). O evento integra o time dos sete festivais que mobilizam os motores da autoralidade em escopo internacional. Abre um circuito competitivo que segue com Berlim (fevereiro); Cannes (maio); Locarno (agosto); e a trinca Veneza, Toronto e San Sebastián, em setembro. Sudance, realizado também em janeiro, só que nos EUA, em Park City, Utah, teve já um prestígio similar ao desse G7, mas perdeu muito de seu viço. Caiu de fama mesmo nos Estados Unidos, onde vem sendo ofuscado pelo SXSW (Texas), por Telluride (Colorado) e por Tribeca (Nova York).
Pela proximidade com a cerimônia anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (a deste ano será no dia 2 de março), Roterdã sempre abre espaço para oscarizáveis em potencial. É o caso de "O Brutalista" ("The Brutalist") que, no domingo, sagrou-se vitorioso na disputa pelo Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama por sua radical engenharia visual (fotografada em 70mm). Trata-se de um esplendoroso painel histórico sobre o calvário de um arquiteto húngaro (Adrien Brody) na América do pós-Guerra.
Fala-se de Oscar ainda para "Tudo O Que Imaginamos Como Luz", em cartaz no Brasil. Sua realizadora, Payal Kapadia, ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes e disputou o Globo de Ouro de Melhor Direção.
Agendado para terminar em 9 de fevereiro, após a entrega do troféu Tigre e a exibição de "This City Is a Battlefield", da indonésia Mouly Surya, Roterdã vai enveredar pela adrenalina com o thriller de ação "King Ivory", de John Swab. O diretor de "Ida Red" (2021) põe James Badge Dale armado até os dentes a desafiar os cartéis da droga em Tulsa, Oklahoma.
Expectativa
Espera-se que Roterdã em peso vá ver "Misericódia" ("Miséricorde"), cult do francês Alain Giraudie, nas paralelas da disputa pelo Tiger Award de 2025. A eleição para o posto de "filme do ano" pela revista "Cahiers du Cinéma" (Bíblia para quem estuda a arte fílmica) garantiu visibilidade a este thriller fino. Em sua trama, Jérémie (Félix Kysyk) volta à sua cidade natal para o funeral do seu primeiro patrão, o padeiro do vilarejo.
Ao chegar, decide permanecer por mais algum tempo ao lado da viúva, Martine (Catherine Frot). Essa presença, no entanto, acaba perturbando o ambiente ao criar uma desavença com o filho da mulher, Vincent (Jean-Baptiste Durand). Um misterioso desaparecimento, um vizinho ameaçador e o padre local com estranhas intenções fazem a estadia de Jérémie tomar um rumo inesperado... e infernal.
Sua escalação ressalta o interesse de Roterdã em ir além de estruturas experimentais e apostar em cartilhas de gênero, num louvor à diversidade.