Brasilidade que encanta, ganha prêmios e lota salas

À luz dos blockbusters 'Ainda Estou Aqui' e 'O Auto da Compadecida 2', cinema nacional abre o ano com ficções aclamadas no exterior, .docs inventivos, comédias marotas e Chico Bento

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Isaac Amendoim tem atuação impecável como o caipira mais travesso e famoso das HQs

 

Fazendo justiça a seu título, ao Globo de Ouro conquistado no domingo por Fernanda Torres e aos 3,1 milhões de pagantes em seu borderô, "Ainda Estou Aqui" segue numa ampla fatia do circuito carioca (e no país todo), em meio a dois tratores, de ambiência rural, que arrancam sorrisos dos exibidores. De um lado está "O Auto da Compadecida 2"; do outro, "Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa". Pobre de Hollywood - embora bem representada por "Nosferatu" - ao bater de frente com essa dupla.

O primeiro, calcado no retorno da dupla João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello), caminha para a marca de 2,5 milhões de pagantes, o que o caracteriza como um fenômeno de público imbatível, concorrido desde sua estreia, no Natal. O segundo, egresso das histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa, estreou nesta quinta-feira (9) com fome de plateias mirins lotadas, atraindo a confiança dos multiplex graças ao carisma de seu protagonista, Isaac Amendoim. Essa colheita de blockbusters atrai holofotes para outros títulos com o Brasil no DNA, o que pode assegurar uma ocupação de tela invejável para a produção nacional como há tempos não se via. Que a diversidade é grande ninguém questiona, e ela chega sob a chancela de prêmios prestigiosos.

É o caso do envolvente "Baby", de Marcelo Caetano, lançado neste fim de semana. A fita traz no currículo o prêmio de Melhor Ator na Semana da Crítica de Cannes (dado a Ricardo Teodoro), além do troféu Redentor de Melhor Filme do Festival do Rio (em empate com "Malu"). Sua geografia é sua poesia.

Maior metrópole do país, Essepê já inspirou retratos ora alarmistas ("São Paulo, Sociedade Anônima"), ora resistentes ("Augustas") nas telas da nação, e volta a ser personagem (dos mais tocantes) numa autopsia em corpo vivo de uma cidade com sabor de pastel, inchaços nas salas de cinema pornô, lotações com direito a performances de vogue (& afins) e amores inusitados. É nesse território que o diretor de "Corpo Elétrico" (2017) ambienta os encontros e os vários desencontros entre o jovem Wellington, também chamado de Baby (João Pedro Mariano), e o michê Ronaldo (Teodoro). O rapaz sai de um reformatório e conhece o afeto numa São Paulo repleta de solidão e de percalços quando Ronaldo faz dele seu protegido (e benquerer). O que se vê é uma mistura de "Os Incompreendidos" (1959), de Truffaut, com o "Querelle" (1982), de Fassbinder. Destaque para a alquimia entre o casal Jana (Bruna Linzmeyer) e Priscila (Ana Flavia Cavalcanti), que tem um filho com o personagem de Teodoro.

Ao mesmo tempo em que SP surge em cena numa delicadeza fora dos padrões, um outro Rio de Janeiro, beeeem distante dos padrões de cartão-postal da Zona Sul maravilha, pede espaço em "Kasa Branca", de Luciano Vidigal, que estreia no dia 23, depois de ter brilhado no Festival de Turim, na Itália. A vertente histórica do naturalismo, que vem lá da prosa literária, com "O Cortiço", é usada por esse longa numa perspectiva solidária (nunca catastrofista), a fim de ilustrar a vida de três jovens amigos em Mesquita, num cotidiano de reeducação afetiva: Dé (Big Jaum), Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco, hilário). O trio vive os perrengues de uma cidade que isolou bairros e municípios distantes do mar, padecendo de um serviço de saúde deficitário na rede hospitalar pública. Apesar das várias dificuldades, aquela galera não esmorece. Seu realizador ganhou o troféu Redentor de Melhor Direção na Première Brasil, que premiou ainda a estonteante fotografia de Arthur Sherman.

Antes dele, na semana que vem, nosso cinema emplaca o primeiro documentário de 2025: "Luiz Melodia - No Coração do Brasil", de Alessandra Dorgan. Esculpido a partir de materiais de arquivo raros, o filme dá a palavra a Luiz Carlos dos Santos (1951-2017), intérprete de hits como "Pérola Negra". Semana que vem tem ainda "MMA - Meu Melhor Amigo", de José Alvarenga Jr., no qual Marcos Mion brinca de Rocky Balboa nacional. Ele vive um lutador profissional que, às vésperas de abandonar os octógonos, descobre ser pai de um menino autista.

O mês cinéfilo termina no dia 30, com a chegada de mais um experimento documental, num ensaio sobre desejos: "Parque de Diversões", de Ricardo Alves Jr. Exibido no festival Exibido no FIDMarseille, na França, a produção acompanha figuras anônimas que percorrem as ruas atrás de encontros, até que uma delas rompe o portão gradeado do parque da cidade e começa a explorar suas vias. Esse território proibido é, então, semeado pelo imperativo do desejo.

Ainda no dia 30 tem a comédia "Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais", de Renata Paschoal. Trata-se de uma antologia sobre o benquerer com quatro histórias independentes, todas centradas em inseguranças e desejos. A melhor delas é a de um casal que se fragiliza quando decide abrir a relação para incluir uma nova integrante. Dudu Azevedo e Priscilla Rozenbaum são os achados do elenco.

Isso é o que temos só em janeiro. Imagina o que não vem pela frente.