À direita da Casa Branca

Marcha de Donald Trump ao poder amplia a visibilidade de filme sobre um de seus antecessores, Ronald Reagan, estrelada por um inspirado Dennis Quaid

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Dennis Quaid tem uma atuação luminosa no papel de Ronald Reagan na biopic do ator que se tornou presidente dos EUA

 

Com o avanço de Donald Trump para mais uma gestão na Casa Branca, o audiovisual dos EUA anda atento ao legado de seus líderes, o que justifica a (oni)presença do filme "Reagan" nos paladares mais conservadores da cinefilia estadunidense. Embora ignorado na Oscar season, a atual temporada de premiações em volta das estatuetas da Academia de Hollywood, o drama dirigido por Sean McNamara fez sucesso de bilheteria em sua pátria natal, roda por salas de exibição da Europa e já está em anúncio na plataforma Apple TV. Dennis Quaid, seu astro, está em boa fase profissional por conta de sua participação no laureado "A Substância" (hoje na MUBI). Seu desempenho é arrebatador, mesmo nas situações em que o longa-metragem mais celebra o ethos da direita republicana.

A melhor forma de degustar "Reagan", apesar de seu tempero rascante, é a evocação de uma anedota contada pelo ator Sylvester Stallone (apoiador de Trump), em sua homenagem no Festival de Cannes de 2019. À época, ele contou que, na campanha promocional de "Rambo II - A Missão" (1985), o então presidente Ronald Reagan (1911-2004) abordou-o dizendo: "Sabe, depois que eu vi seu filme, entendi o que fizer com a crise do Oriente Médio". Stallone lembra que, ao ouvir a frase, só fez pensar: "Estou lascado", numa alusão a uma possível conexão de seu nome com a política de armas e bombas do estadista. Essa forma de governar os EUA guiada a princípio por ditames capitalistas e, depois, por orientações de flerte neoliberais, deu a Reagan uma das reputações mais nefastas entre os políticos americanos do século XX, em especial durante a fase final Guerra Fria. Sua biopic dá tintas acentuadas a suas ambições de controle e (sobretudo) a seu ranço anticomunista.

Na direção, Sean McNamara opta por uma narrativa sem invenções de linguagem. O cineasta tem uma carreira prolífica na TV e nas telas, também como produtor, e tem no currículo o tenso "On a Wing And a Prayer" (2023), também estrelado por Quaid. Desde o início dos anos 2000, o ator passou a se associar sempre que pode a projetos de verve cristã. A natureza evangélica de Reagan é sublinhada no argumento de Howard Klausner, basedo em livro de Paul Kengor, lançado em 2006: "The Crusader: Ronald Reagan and the Fall of Communism". Um elenco luminoso, com destaque para Penelope Ann Miller (como Nancy Reagan) e Jon Voight, no papel do ex-agente da KGB Viktor Petrovich. Voight é outro dos aliados de Trumo na arte.

Seu personagem é quem narra os feitos de Reagan desde a infância, com um pai alcoólatra, até o "chamado de Deus", no abraçar do cristianismo, com sequências de sua carreira como ator, a partir dos anos 1940, e sua chegada à política. Christian Sebaldt assina a fotografia, dionisíaca, que aquece com cores cálidas os momentos mais quentes das lutas de seu personagem central em prol de uma América que crê em Deus e na família acima de todo, sempre atento ao avanço das ideias de esquerda.

McNamara abraça a retórica, sem dialéticas teóricas, representando Reagan como um herói, ainda que torto. Há nele uma série de desvios de conduta, mas, na visão do cineasta, todos os caminhos levavam ao bem-estar do povo americano, o que torna sua abordagem algo controverso. Lembra a linha percorrida por Oliver Stone no esquecido "Nixon" (1995).

Enquanto "Reagan" aguarda holofotes no Brasil, o eletrizante "O Aprendiz" ("The Apprentice"), a cinebiografia de Trump, pode ser vista hoje na Amazon Prime, onde está disponível para aluguel ou compra. Passou em Cannes, em disputa pela Palma de Ouro, e concorreu ao Globo de Ouro, valorizando a interpretação de Sebastian Stan. Quem dirige é Ali Abbasi, cineasta escandinavo de origem iraniana respeitado cá por "Holy Spider", de 2022. Sua passagem pela Croisette foi cercada de elogios. A produção é um biopic não autorizado.

O roteiro é centrado no processo de amadurecimento de Donald T entre os anos 1970 e a década de 1980 a partir da relação de aprendizado que ele estabelece com o poderoso advogado Roy Cohn, vivido por Jeremy Strong (da série "Succession"). Roy vira um mentor que ensina a seu pupilo as manhas sobre como vencer nos negócios no apogeu do capitalismo consumista. A Trump Tower é o primeiro dos acertos de seu "aluno" que, pouco a pouco, trai a confiança do mestre. Desrespeita ainda sua mulher, Ivana (Maria Bakalova), submetendo-a a uma violência sexual.