Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Glauber é legal, Glauber é carnaval

Glauber Rocha se autoproclamava o profeita da anistia política no fim dos anos 1970 | Foto: Reprodução

 

No dia seguinte à conquista do Oscar de Melhor Filme Internacional por "Ainda Estou Aqui", a atriz Fernanda Torres evocou o santo nome do cinema nacional, o baiano Glauber Rocha (1939-1981), numa coletiva de imprensa com Walter Salles e Selton Mello, numa referência ao fato de a vitória brasileira na festa da Academia de Hollywood ter acontecido em pleno domingo de carnaval. A fricção da folia do Rei Momo com a festa maior da indústria audiovisual só poderia ser mesmo uma manifestação glauberiana.

O espírito barroco que caracterizou a obra dele, nas raias entre o ritual de descarrego e a reflexão política, não se fez celebrar só na fala da estrela do blockbuster de Salles sobre os Anos de Chumbo: Glauber vai ganhar uma retrospectiva na Cinémathèque Française, em Paris entre 13 e 21 de março. A pesquisadora e professora Gabriela Trujillo, egressa de El Salvador, cuidou da apresentação dessa mostra e vai proferir um colóquio sobre o legado do cineasta, no dia 20, seguido da projeção de "Cabeças Cortadas" (1970). Integram esse menu títulos pouco citados como "Câncer" (1972), "História do Brasil" (1974) e "Claro" (1975).

"Carismático e turbulento, o cineasta brasileiro foi o enfant terrible do cinema latino-americano, por meio de seus filmes, seus manifestos e as muitas posições que assumiu, antes de morrer, doente e exausto, aos 42 anos. Tendo filmado em três continentes, ele foi acima de tudo a figura de proa do Cinema Novo, a nova onda de cinema político e cinéfilo que reinventou a face do cinema brasileiro na década de 1960", escreve Gabriela na página oficial da cinemateca parisiense, no artigo "O Cinema Intranquilo", que serve de bússola à imersão da França numa estética nascida na Bahia.

Para o abre-alas da maratona Glauber foi escolhido "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", mundialmente conhecido como "Antonio das Mortes", que conquistou a láurea de Melhor direção no Festival de Cannes, em 1969. No próximo dia 14, Paris embarca (ainda que tardiamente) na comemoração dos 60 anos de lançamento de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", exibido na competição oficial pela Palma de Ouro de 1964.

"Os filmes de meu pai estão sempre em cartaz alimentando o imaginário do cinema no mundo", diz a diretora Paloma Rocha, filha de Glauber e guardiã de seu legado. "Como ele dizia: o novo é eterno".

Integram o pacotão da Cinémathèque Française ainda "O Leão de Sete Cabeças" (1970). Definido pela crítica como um dos mais pujantes tratados sobre os jogos de poder na Pangeia de colonização ibérica, "Terra Em Transe" será o título de encerramento do ciclo Glauber. A produção recebeu o Prêmio da Crítica de Cannes em 1967.

"Fui eu que agi fundamentalmente dentro deste país para que se processasse as aberturas políticas a partir de 1972. Não fosse a minha atividade ideológica e cultural não teria havido aberturas. Então eu sou o profeta da anistia", alfinetou Glauber em uma de suas últimas entrevistas.