Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Edward Norton: 'O engajamento vem da cidadania'

Edward Norton em 'Um Completo Desconhecido', longa no qual encarna o músico e produtor Peter Seeger | Foto: Searchlight Pictures

Indicado quatro vezes ao Oscar de 1997 até hoje, Edward Harrison Norton é o tipo do ator que filma pouco, mas quando está em cena é tão intenso que draga as atenções da câmera (e das plateias) para si, como se comprova seu trabalho recente em "Um Completo Desconhecido" ("A Complete Unknown"). O desempenho dele na recriação dos feitos do músico nova-iorquino Pete Seeger (1919-2014), em meio ao processo de educação sentimental do jovem Bob Dylan (vivido por Timothée Chalamet), ampliou o interesse da indústria pop pela obra do cantor e compositor de "If I Had a Hammer", hino da canção de protesto dos EUA. Em cartaz no Brasil há cerca de duas semanas, o longa-metragem dirigido por James Mangold (de "Logan") custou cerca de US$ 70 milhões e já faturou US$ 127 milhões. Teve uma sessão de gala na Berlinale e concorreu a oito estatuetas na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, onde Norton é um astro na contramão da vaidade.

Realizador de dois títulos de prestígio ("Tenha Fé", de 2000, e "Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe", de 2019), ele tem em seu currículo de intérprete produções cultuadas como "As Duas Faces de um Crime" (1996), "Clube da Luta" (1999) e "Birdman" (2014). Presença cativa na obra do diretor Wes Anderson (desde "Moonrise Kingdom", que abriu o Festival de Cannes de 2012), Norton passou pelo Brasil há 13 anos, para falar de ecologia e de crises ambientais com base em suas reflexões sociopolíticas. Antes, fez "O Incrível Hulk" (2008), que teve sequências ambientadas no Rio.

Nada mais afinado com o passado de Dylan (e com o presente do cantor e Prêmio Nobel) do que a atitude empática do ator em relação a pautas humanistas. Na trama filmada por Mangold, com base no livro "Dylan Goes Electric!", de Elijah Wald, Seeger já era respeitado como um ás do violão e do banjo ao acolher em seu lar o bardo folk que viria a escrever os versos de "Blowin' in the Wind" e "The Times They Are a-Changin'". Torna-se uma espécie de guru para ele, embora se comporte mais como um amigo. Um amigo experiente e protetor.

O papo a seguir, do qual o Correio da Manhã participou, foi organizado pela Fox Seachlight e pela Disney, quando a temporada de Oscar de 2025 começou. Na conversa, Norton, hoje com 55 anos, explica como impõe verossimilhança ao retrato de Seeger.

Que grau de fidelidade, na mimese, impõe-se a um ator quando ele deve interpretar um ídolo real, como Peter Seeger?

Edward Norton: O que existe de mágico na recriação de uma história real não é a similitude da maquiagem para te tornar parecido com uma pessoa que existiu de verdade, e, sim, o quanto o processo artístico consegue capturar a essência do biografado. Há sempre um fardo quando essa pessoa traz consigo um legado, pois existe o sentimento de que você precisa fazer jus a esse indivíduo e à sua vivência. Uma forma que eu tive para lidar com isso, em "Um Completo Desconhecido", foi assistir a uma série de imagens de arquivo de Seeger, a fim de fazer deles um ponto de partido e não um lugar de imitação. O que me interessa nesse processo é levantar perguntas, como, por exemplo: será que Seeger e Dylan se abraçavam? Como eles interagiam? O quanto Seeger era reservado? Fui percebendo ali uma conexão que não de pai e filho, mas, sim, de irmão velho e caçula.

Nesse processo de imersão, o que mais te encantou na figura de Seeger?

É algo que serve de interseção com Dylan: o fato de que os dois apreciavam a interpretação da plateia acerca das letras. Eles jamais impuseram um sentido no que gravaram. Seeger tinha disposição natural de conectar a música com seu ponto de vista político. Existe, no entanto, uma dimensão em que comungo com (o diretor) Jim Mangold que é a certeza de que um filme sobre situações reais só para de pé quando ele comporta algo mais do que a História, quando apresenta um sentimento universal. Neste caso, a universalidade vem da percepção de um tempo, a década de 1960, no qual a arte foi utilizada como instrumento de transformação social.

Como foi a experiência de dar conta das exigências musicais de um personagem como Peter Seeger, em especial na relação com os instrumentos de corda?

Eu me saí bem com o banjo e toquei guitarra por tempo o suficiente para encarar o desafio. Peter era um virtuoso. Você só consegue aprender na prática o que ele sabe se estiver concentrado o suficiente para isso.

Houve um Pete Seeger na sua formação, ou seja, um artista que te serviu de mentor?

Não houve uma figura assim, nesse lugar, na minha vida. O mais próximo disso foi (o diretor tcheco) Milos Forman (com quem o ator trabalhou em "O Povo Contra Larry Flynt" e Tenha Fé"). Cheguei a viajar por Praga ao lado dele e parecia estar do lado de um superstar, dada a reação das pessoas por lá, que o tratavam como celebridade. Era como se eu estivesse a andar por Londres com o Mick Jagger. Eu também fui muito afetado por Ian McKellen quando assisti a um monólogo dele no teatro, quando tinha uns 16, 17 anos. Havia algo de singular na maneira que ele atuava que me tocou.

Você é conhecido por seu engajamento em debates sociais. De que maneira a experiência com a biografia de Bob Dylan, um artista marcado por canções de combate, amplia esse seu interesse por uma arte de intervenção nos conflitos da sociedade?

Para além da carreira artística, eu sou um cidadão. O engajamento vem da cidadania. Não é necessário só ser um profissional da arte para isso. Cabe para advogados, para cientistas, para o que for. É questão de sensibilidade. Sinto que estamos enfrentando hoje o desafio de manter a sociedade em balanço em relação à pauta da sustentabilidade, frente aos riscos à biosfera.