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Galeria Wes Anderson

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Um ano depois de ter conquistado um Oscar pelo curta "A Incrível História de Henry Sugar" (hoje na Netflix), o texano Wesley Wales Anderson está cotado para disputa a Palma de Ouro de Cannes, de 13 a 24 de maio, com "The Phoenician Scheme". Enquanto o festival não faz o anuncio oficial de seus concorrentes, numa seleção que terá Juliette Binoche como presidente do júri, o cineasta de 55 anos ganha uma exposição na Cinémathèque Française, em Paris, que abre as portas esta semana e segue até 27 de julho.

Entre os itens que compõe a galeria de criações do diretor estão bonecos e instalações usadas por ele nas animações "O Fantástico Sr. Raposo" (2009) e "Ilha dos Cachorros", pelo qual recebeu o Urso de Prata de Melhor Direção na Berlinale 2018.

"Cada um dos filmes de Wes Anderson mergulha o espetador num universo diferente, com os seus próprios códigos, motivos e referências, e com os seus cenários e figurinos suntuosos, identificáveis à primeira vista", diz o site da cinemateca parisiense. "Do encanto melancólico de 'Os Excêntricos Tenenbaums" às aventuras adolescentes de 'Moonrise Kingdom', passando por suas inovadoras técnicas de stop-motion, a exposição oferta uma oportunidade de se descobrir como a visão única de Anderson e a sua atenção ao pormenor criaram alguns dos filmes mais atraentes do ponto de vista visual e emocional dos últimos tempos", completa o texto curatorial.

Quem passar pela capital da França poderá entender melhor a cabeça de Wes a partir de uma seleção de adereços, figurinos originais e documentos relacionados a bastidores de produção. Em novembro, o mesmo material vai para o Museu do Design, de Londres, alimentando uma revisão crítica de sua filmografia, que ultrapassou a fronteira dos blockbusters com "O Grande Hotel Budapeste", que custou US$ 25 milhões e faturou US$ 174 milhões.

Nos últimos dois anos, Wes ganhou mais espaço no streaming, sobretudo por curtas de tons filosóficos. Seu último longa, "Astreroid City", hoje na Prime Video da Amazon, é um ímã de polêmicas, que, entre recepções dissonantes, tornou-se, mundo afora, um sucesso indie, com uma bilheteria estimada em US$ 54 milhões. Há quem o considere o longa-metragem mais pretencioso do realizador de "Três É Demais" (1998), mas há quem trate essa produção de US$ 25 milhões como seu filme mais ousado, vide o carinho da crítica francesa por sua narrativa taquicárdica.

O barulho que Wes fez de passagem pelo Festival de Cannes, na disputa pela Palma de Ouro de 2023, embala a carreira de um filme apoiado num elenco estelar, com direito a Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright e Seu Jorge. O músico brasileiro participa de um coro de cantores.

Atualmente no Brasil, tudo o que Wes rodou até "A Crônica Francesa" (2021) se encontra disponível na plataforma Disney . "Asteroid City", que ficou com a Amazon, é o experimento mais radical da linha cinemática cartunística do realizador. Habitual parceiro do cineasta, o ator Jason Schwartzman está brilhante em cena. Ele é a alma de um elenco de astros em sequências que se parecem com croquis, com cores ressaltadas na fotografia de tintas exageradamente saturadas de seu habitual colaborador Robert D. Yeoman. Em algum momento, numa cidade fictícia no deserto, tudo ocorre de maneira tão veloz, tão ágil, com zero espaço para evolução de seus personagens (sobretudo o de um perdido Tom Hanks), que parecemos estar diante de um desenho do Papa-Léguas nos "Looney Tunes" da Warner Bros. Hanks tinha tudo para ser o Pernalonga a chefiar uma fauna de tipos exóticos, no papel de um conservador nato. Mesmo com todo o seu talento, ele não faz diferença alguma em cena. Só fiéis integrantes da trupe do diretor, como Schwartzman, Scarlett e Edward Norton, têm chance de brilhar. Seu Jorge também, em pequenas, porém, hilárias aparições como integrante de um corifeu de músicos, de roupas de caubóis.

Logo no início, Bryan Cranston, o Walter White de "Breaking Bad", aparece (magistralmente) como o mestre de cerimônias e narrador de um programa de TV em P&B dos anos 1950, no qual o episódio da noite se chama "Asteroid City". Sua narração é impecável, lembrando Roberto Maya em "Documento Especial". É ele quem anuncia que tudo se passa em 1955, em um lugar que não existe, onde fatos além da nossa imaginação ocorrem, a partir do que um dramaturgo e roteirista vivido por Edward Norton escreve.

Desse mote em diante, histórias paralelas se desenrolam em planos perpendiculares à história principal, fundindo o que é real e o que é ficção, com destaque para uma sequência antológica de Margot Robbie (a Arlequina de "Esquadrão Suicida") num balcão a dissecar uma história de amor de mentirinha fraturada.

No excesso, o filme se perde (e a gente se perde com ele), mas que tudo é divertido do início ao fim, é inegável, com direito a uma corajosa participação de Scarlett.

"Asteroid City" enche os olhos. Daí o respeito da Cinémathèque Française.