Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Luz, câmera, Hsu

os casais vividos por Adriana Richter, Nelson Freitas, Jeniffer Setti e Paulinho Serra trocam de lugar nas reviravoltas da comédia 'Os Emergentes', o mais novo longa de Hsu Chien Chin | Foto: Lorhan Toledo/Divulgação

Carregando no bolso uma pelúcia do Super Mario Bros, dada por um irmão cinéfilo para lhe servir de amuleto (nerd) da sorte, Hsu Chien Chin conduz o set de "Os Emergentes" como uma máquina de guerra... contra a caretice, o mau humor, o fantasma das bilheterias baixas e o relógio. Nesta segunda, o diretor do sucesso de bilheteria "Desapega" (2023) vai finalizar sua filmagem sem passar de duas semanas de trabalho.

Foi uma ofensiva relâmpago, fora dos padrões do mercado (de quatro ou cinco semanas de rodagem, no mínimo), mas coerente com a retidão de um cineasta prolífico que, em seu passado no terreno da assistência de direção, contabilizou 200 filmes e duas novelas ao longo de suas três primeiras décadas de serviço.

"Otimizo cada segundo", diz Hsu (pronuncia-se "Xú"), correndo pelas locações de um casarão na Barra da Tijuca, onde rodou a maior parte de um roteiro escrito pelos atores Paulo Reis e Regiana Antonini. "Eu nem olho para o Video Assist (dispositivo onde se visualiza o que se passa no set). Prefiro ficar de olho no elenco, acompanha-los de perto, sentir o que eles sentem. '...E O Vento Levou' foi feito sem essas engenhocas e virou o que virou pela força de suas estrelas. Eu cuido das minhas e aprendo com elas", alega.

Aonde ele vai, está a câmera da diretora de fotografia Silvia Gangemi (sua parceira habitual), a detectar o calor do riso anunciado por uma história com foco no trânsito pela pirâmide social brasileira. Assistentes de direção, Gustavo Piaskoski e Janda Montenegro giram a 360° pelo espaço onde se grita o verbo "Ação!". Cada cantinho desses é observado pelo olhar cioso da atriz Jennifer Setti, que está no leme da produção.

"Esta história é uma revanche bem-humorada rodada com recursos próprios e de parceiros que aposta numa valorização do trabalho para mostrar que, com esforço, é possível vencer", diz Jennifer, um talento egresso de Campo Grande, na Zona Oeste, com a vivência cênica da trupe Tá Na Rua em seu currículo, que hoje transforma boas ideias em filmes (bons) a partir da In Setti Cultural, sua produtora. "Eu já fui babá, cursei Direito e aprendi, no teatro, que com a cultura dá pra gente crescer".

Sob essa lógica do "labuto (pesado), logo existo", "Os Emergentes" se delicia na vontade de potência um elenco estelar - além de Jeniffer, tem Alexandra Richter, Nelson Freitas, Paulinho Serra, Mônica Carvalho, Lucas Penteado, Laura Proença, Nando Cunha, Junior Vieira, Catarina Dantas e mais uma leva de astros - a fim de entender como os "novos ricos" da high society carioca recebem os "novos pobres".

"Existe todo um cuidado nessa trama atenta às vivências periféricas para que o oprimido não vire o opressor", diz o diretor e roteirista Junior Vieira, que integra o rol de personagens dessa cartografia de gangorras financeiras. "O Hsu (que nasceu em Taiwan, tem origem chinesa e vive no Catete) é um diretor generoso atento às diferentes representatividades".

Valorizado no streaming com múltiplos filmes na Amazon Prime (como "Quem Vai Ficar Com Mário?", "Me Tira Da Mira", "Um Dia Cinco Estrelas"), Hsu sempre dá um jeito de falar daquele objeto pontiagudo chamado amor em seus longas. Em "Os Emergentes", existe espaço para amar (de novo e até para sempre) na figura do casal de aristocratas falidos Beatriz (Alexandra Richter) e Henrique (Nelson Freitas). Após perderem tudo o que tinham, eles são forçados a aceitar empregos como mordomo e governanta na mansão de seus antigos empregados - agora milionários. Os ricaços da vez são Letícia e Inácio (vividos por Jeniffer e um hilário Paulinho Serra), que enriqueceram com as Quentinhas Gourmet. A Feijoada da Pantera é o signo da prosperidade de Letícia e seu companheiro, que passam a empregar a dupla que um dia eles trataram como chefes.

"Nelsinho e eu somos um casal 'nem nem' aqui, pois os nossos personagens nem trabalham, nem têm profissão", diz Alexandra. "Eles perderam tudo, mas não se largam".

"Existe um lugar muito especial que o Hsu flagra nessa derrocada que é o fato de casais em crise ficarem unidos no pior cenário", diz Freitas. "Eles mantêm a fortaleza no pior cenário. Tão de mãozinha dada sempre. Se você parar para pensar que o Henrique nem carteira de trabalho tem, vai encontrar todo um Brasil refletido nele. Um Brasil que o Hsu, um craque da comédia, retrata com objetividade. Tem o lugar da chanchada, mas tem lugar onde a dor é à vera".

"O mais bacana aqui é o fato de humor entrar sem forçar graça", pontua Alexandra. "São dois personagens em situação cômica vivendo um drama".

Essa inversão de papéis desencadeia situações hilárias e reveladoras, colocando os personagens frente a frente com seus preconceitos, na adaptação a uma nova realidade. No processo, a lógica amorosa que dá autoralidade ao cinema de Hsu (premiadíssimo no exterior com o curta "Bergamota") se faz notar também na fricção de Letícia e Inácio em prol da prosperidade... a do bolso e a do coração.

"O humor tem a ver com o tempo. Eu sou o que o tempo tá me pedindo para ser e quando a gente não se adapta a esse pedido e não se coloca no lugar da plateia, a gente corre o risco de ser medíocre", diz Paulinho Serra, avaliando a carpintaria criativa de "Os Emergentes" ao falar sobre a invisibilidade que acossa o pobre no Brasil. "Todo mundo que um dia já gritou, num ônibus, 'Ô, motorista, para aí que você passou do meu ponto' vai se identificar com essas pessoas no filme".

Entre confrontos cômicos e tensões domésticas, os casais Letícia/Inácio e Beatriz/Henrique acaba descobrindo que têm mais em comum do que imaginavam. A jornada de superação brota daí, com uma série de figuras satélites, entre os quais a personagem de Mônica Carvalho, a chefe de cozinha Heloísa, peça fundamental para o empório gastronômico de Letícia e Inácio bombar. A atriz trabalhou com Hsu antes em "Licença Para Enlouquecer".

"Hoje não tenho como pensar em comédia sem pensar no Hsu, que tem uma cabeça muito resolutiva no set", diz Mônica.

Ao longo dos 30 anos em que estabeleceu seu nome como um dos mais disputados assistentes de direção do país, entre "O Que É Isso Companheiro?" (1997) e "Eduardo e Mônica" (2018), Hsu passou pelas mais variadas formas de se aplicar brasilidade nas telas, entendendo que uma filmografia nacional se constrói pela sondagem de mundo que um longa é capaz de criar. Mais do que narrar uma história, um filme é uma cartografia da realidade que o produz. Já na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde se formou, o cineasta aprendeu que esse mapa do real pode (e deve) ser desenhado com o esquadro, a régua e a tinta do afeto.

"Vim para o Brasil muito pequeno, com minha família de chineses, e trabalhei num restaurante com meu pai, do qual muitos artistas eram clientes. Um dia, nos anos 1980, o cineasta Aluizio Abranches esteve lá e me convidou para fazer figuração no set de 'Luar Sobre Parador', de Paul Mazursky, rodado no Brasil, do qual ele era assistente. Não fazia ideia do que era um figurante nem do que era uma filmagem. Bastou eu chegar lá e olhar para aquela realidade de luzes, com a câmera, para que eu entendesse: era no cinema que eu deveria estar. É no cinema que eu vou ficar para o resto da minha vida", jura Hsu. "O que eu tento fazer em filmes como 'Os Emergentes' é levar alegria ao público sempre discutindo questões importantes e séries, como a luta de classes".