Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A mais preciosa das estreias

'A Mais preciosa das Cargas' ganhou o Prêmio Especial do Júri em Mar Del Plata | Foto: StudioCanal Paris Filmes

Depois do Oscar conquistado pela Letônia sob os miados do gatinho de "Flow", o espaço do mercado exibidor para animações egressas de outros territórios que não Hollywood cresceu, com lugar até para narrativas que usam o desenho para expor o horror do Holocausto. O assombro da II Guerra Mundial, com toda a sua bestialidade, alimenta uma fábula vinda da França sobre esperança e resiliência: "A Mais Preciosa das Cargas" ("La Plus Précieuse Des Marchandises"). A estreia aqui será no dia 17 de abril.

Indicado à Palma de Ouro de Cannes, o longa-metragem é baseado no best-seller homônimo de Jean-Claude Grumberg, lançado nas livrarias como "A Mercadoria Mais Preciosa". A direção é do francês Michel Hazanavicius, diretor do oscarizado "O Artista" (2011). O filme concorreu ainda nos festivais de Annecy e de Mar Del Plata (em terras argentinas), de onde saiu o Prêmio Especial do Júri. Teve projeções ainda no Festival do Rio.

"O produtor chegou a esse projeto antes de mim, antes que eu lesse o livro, e eu jamais havia pensado em fazer algo ligado à Shoah antes, pelas minhas origens familiares judaicas. Tinha uma questão de legitimidade histórica, até pelo fato de eu ter nascido em 1967, bem depois da Guerra. Mas a possibilidade de abordar o tema sob uma ótica fabular e a força do texto de Grumberg me interessaram. Existe uma pergunta que aquele livro evoca ao falar do Holocausto: 'Se Deus existe, onde ele estava quando aquilo tudo aconteceu?'. Eu só não queria ser explícito na representação da violência dos nazistas. Preferia que a imaginação da plateia pudesse dar conta disso", disse Hazanavicius em Cannes. "Sou um diretor ligado à comédia, a filmes leves. Fazer uma animação também era um desafio. Hesitei até que minha mulher (a atriz Bérénice Bejo) disse 'Você tem que fazer'. Aí...".

"A Mais Preciosa das Cargas" testou as habilidades narrativas de Hazanavicius num terreno com o qual ele era pouco identificado. "Fazer um filme animado é bem diferente do live-action, principalmente por conta do trabalho com a engenharia de som exigido pelo formato, no qual o impacto sonoro é essencial", disse Hazanavicius, que antes rodou "O Formidável" (2017), sobre Jean-Luc Godard (1930-2022), e o "O Príncipe Esquecido" (2020), superprodução com Omar Sy.

Na trama animada filmada por Hazanavicius, um casal de lenhadores observa, diariamente, trens atulhados de gente passarem diante de seus olhos. Ingênua, a mulher sempre espera por um aceno ou mesmo um presente. "Para onde vão essas pessoas?", ela se pergunta. Até que alguém joga o presente que ela jamais pensou receber: um bebê. O marido, num primeiro momento, pensa em devolver a criança, mas, pouco a pouco, encanta-se pela menina e deixa seu instinto paterno aflorar. A narração foi feita por um mito das telas Jean-Louis Trintgnant (1930-2022), pouco antes de sua morte.

"Jean-Louis era a voz mais bonita do cinema francês. Foi incrível gravar com ele e agora que ele não está mais aqui, entre nós, sua voz se faz ainda mais presente", diz Hazanavicius, explicando que o trabalho de produção dos desenhos, na direção de arte, levou cerca de três anos para sair do papel. "Não busquei reproduzir a realidade como ela é. Meu maior empenho era fazer um ensaio humanista, um tributo ao coração".

Na triagem de (boas) animações não hollywoodianas nas telas, o Brasil pede passagem. Uma sci-fi com tintas de "Star Wars", mas de CEP paulista, hoje agita a massa crítica de brasilidades nas telas: "Mundo Proibido", de Camila Carrossine e Alê Camargo. No longa, o viajante aventureiro Fujiwara Manchester e sua namorada, Lydia, partem para uma jornada intergaláctica em busca de um tesouro perdido que pode deixá-los ricos.