Associado à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (leia-se a fonte do Oscar), o evento organizado pelo crítico Amir Labaki acontece até 13 de abril, com 85 produções de 30 países. Entre os títulos mais esperados, destaca-se "Holding Liat" ("Esperando Liat"), do americano Brandon Kramer, ganhador do troféu de Melhor Documentário na Berlinale, em fevereiro. É o relato do sequestro de uma mulher em meio ao conflito entre Israel e Palestina.
A seção dedicada a Vladimir vai projetar ainda "O País de São Saruê" (1971); "O Homem de Areia" (1981); "O Evangelho Segundo Teotônio" (1984); "Conterrâneos Velhos de Guerra" (1991); "Barra 68 - Sem Perder a Ternura" (2000); "Rock Brasília - Era de Ouro" (2011); "Cícero Dias, O Compadre de Picasso" (2016); e "Giocondo Dias - O Ilustre Clandestino" (2019). Esse último título, seu canto de cisne, terá exibição no Rio no dia 12, às 16h, no Estação NET Rio.
"Nunca vi o cinema como expressão de um deleite próprio e, sim, como um instrumento de reação, como um veio de participação na sociedade que nos leve à mudança", disse Vladimir ao Correio da Manhã, meses antes de sua morte.
Partiu aos 89 anos. Deixou uma obra lotada de cults, alvo de dissertações e teses de doutorado em universidades de diferentes cantos de seu país natal, a começar pela Paraíba, estado onde nasceu, na cidade de Itabaiana. O DF foi sua casa mais duradoura. Rodou por lá pepitas como "Rock Brasília" (2011). "Desde que me instalei na capital, no Centro-Oeste, já faz meio século que filmo a Esplanada dos Ministérios, a partir da ideia de que ela era destinada ao recreio das famílias nos domingos e feriados", contou o cineasta ao Correio, há cinco anos.
Fora os filmes que fez e as aulas que lecionou, Vladimir ainda presentou o audiovisual de sua pátria com um de seus mais aclamados diretores fotografia: Walter Carvalho, de quem era irmão mais velho. Vladimir criou Walter, quando eles ficaram órfãos de pai e aplicou-lhe Bob Dylan e a poesia de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nas veias, num estímulo à formação artística do caçula, que também virou cineasta, lançando pérolas como "Moacir Arte Bruta" (2005) e "Budapeste" (2009).
Jornalista e professor, Vladimir integrou a equipe do clássico "Aruanda" (1960), de Linduarte Noronha (1930-2012). "No Liceu paraibano, fui aluno de Linduarte, que era mais velho do que eu uns cinco anos. Voltamos a nos encontrar quando eu já escrevia crítica de filmes nos jornais. Quando ele ganhou um prêmio internacional de fotorreportagem, resolveu adaptar um outro texto seu sobre um ex-quilombo. Ali, ele chamou a mim e a João Ramiro Mello para escrevermos juntos o roteiro", recordou-se Vladimir, em entrevista na época da pandemia, em 2020. "Lembro-me da viagem de reconhecimento do tema, subindo a serra do Talhado por uma estradinha carroçável recém-aberta, sob um sol de 40 graus. Ali eu me tornei cineasta".
Respeitado por sua discrição, Vladimir passou à condição de realizador ao pilotar os planos de "A Bolandeira" (1968). No sertão da Paraíba, as chamadas "bolandeiras", rústicos engenhos de madeira que fabricam mel e rapadura, operados por tração animal e humana, subsistem, mas se tornam cada vez mais raros, substituídos por equipamentos mais modernos, a motor. Um modo de vida que cercava aquele engenho do passado está fadado a desaparecer. Essa curta seminal de Vladimir fala sobre essa desaparição. Seu tema, de costume, era a erosão de antigas práticas, o que ele abordava sempre de forma discreta, vide sua abordagem recorrente de falências (e resiliências) utópicas.
"Luto sempre para que o cinema reaja ao que está aí. Em momentos de guerra, o cinema serve como um veio para expor as relações da sociedade com o Poder. Mesmo naquelas narrativas em que a pesquisa de linguagem prevalece, é preciso que haja uma reação. A poesia nasce daí", explicou o cineasta ao Correio. "Todo filme nasce de uma conjuntura. Qualquer material que caia em minha mão, e me sugira que ali possa haver um filme a ser feito, leva-me a uma reflexão para que eu não aceite o que me é dado sem refletir sobre seu sentido e sobre sua conexão com a realidade conjuntural ao nosso redor".
Em 2022, Vladimir ganhou um biopic documental, "Quando A Coisa Vira Outra" (2022), de Marcio de Andrade, que, no streaming do Brasil, pode ser visto no Claro TV .