Dirigido por Moara Passoni com foco nas descobertas afetivas de uma menina, "Minha Mãe É Uma Vaca" é a única produção brasileira na competição oficial do Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, conhecido e celebrado apenas como Bafici, que inicia nesta quarta as disputas de longas, curtas e produções portenhas. Em meio ao som e a fúria do turbilhão conservador do governo Javier Milei, numa administração sem carinho pela produção cultural da pátria natal de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, o evento abriu suas atividades na noite de terça com o bom humor de "Upa! A Springtime in Athens", de Tamae Garateguy, Santiago Giralt e Camila Toker.
Foi uma forma de demarcar a potência da Argentina na telona, a partir do recorte curatorial estruturado sob a direção artística do crítico Javier Porta Fouz. Seu desenho dá plena atenção aos hermanos de América do Sul. Não por acaso, a distopia de CEP amazônico que rendeu o Grande Prêmio do Júri ao Brasil na 75ª Berlinale, em fevereiro, ganha lugar de honra na grade de Porta Fouz: "O Último Azul", de Gabriel Mascaro. Desde o Festival de Berlim, o planisfério cinéfilo louva o desempenho (colossal) da atriz Denise Weinberg numa Amazônia assombrada pelo etarismo.
No enredo desse river movie de Mascaro, o governo brasileiro passa a transferir idosos para uma colônia habitacional para eles "desfrutarem" seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de entrar na faixa de seu exílio compulsório, a septuagenária Tereza (vivida por Denise) embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade... para com ela ser livre. Para isso, enfia-se numa jornada fluvial com direito a um barqueiro de coração partido (Rodrigo Santoro) e uma vendedora de Bíblias digitais (interpretada pela cubana Miriam Socorrás). "Tentei romper com a mitologia dos ritos de passagem, retratando uma possibilidade de libertação para corpos que, já idosos, são tratados como dissidência pela sociedade", disse Mascaro ao Correio da Manhã. "Quando meu avô morreu, minha avó, com 80 anos, começou a pintar loucamente, cheia de força. Foi uma inspiração singular. Fazer um filme cheio de escuta e de respeito pela realidade amazônica - construído com cerca de 20 atores de lá e uma equipe cheia de profissionais de lá - foi uma forma de celebrar o Brasil".
Mestre absoluto das estéticas de invenção, Julio Bressane participa do Bafici com "Relâmpagos De Críticas Murmúrios De Metafísicas", um experimento nas raias da arquivologia elaborado a quatro mãos com o montador Rodrigo Lima.
Tem brasilidade ainda no curta "Vollúpya", de Éri Sarmet e Jocimar Dias Jr. Sua exibição ocorre na seção Lugares, centrada em territórios. Sua trama envolve um futuro distópico, um VHS encontrado em uma lata de lixo e uma fita magnética que transporta um viajante do tempo para uma pista de dança quente. A partir de uma mirada pautada pela ficção científica e uma costura de 13 horas de arquivos audiovisuais, o filme mergulha na noite queer, a partir do boliche homônimo que funcionou de 1992 até o início deste em Niterói.
Vai ter Bafici até o dia 13. Atento a que se fez de melhor na Europa, na Ásia e na África, o radar de Fouz apitou diante da chance de exibir o aclamado "O Ano Novo Que Nunca Veio", de Bogdan Muresanu (Romênia), em sua seleção oficial. Ainda no pacotão entram: "Voyage Au Bord De La Guerre", de Antonin Peretjatko, e "Les Barbares", de Julie Delpy (França); o ganhador da Concha de Ouro "Tardes de Soledad", de Albert Serra (Espanha); "Levados Pelas Marés", de Jia Zhang-ke (China); "Misty - A História de Erroll Garner", de Georges Gachot (Suíça); "Spermageddon", de Tommy Wirkola e Rasmus A. Sivertsen (Noruega); "La Vita Accanto", de Marco Tullio Giordana (Itália); "Reflet Dans Un Diamant Mort", de Hélène Cattet e Bruno Forzani (Bélgica); e (o estonteante) "Pai Nosso - Os Últimos Dias", de Salazar de José Filipe Costa (Portugal).