Por: Pedro Strazza (Folhaspress)

CRÍTICA / FILMES / SEX E LOVE: Panoramas confusos e intrigantes das relações do século 21

Em 'Love', os arcos dos protagonistas repassam os pontos óbvios das relações contemporâneas | Foto: Divulgação

Em que pé estão as relações humanas no século 21? A questão, simples, se desdobra de forma surpreendente nos filmes "Sex" e "Love", que tratam de situações contraditórias de vidas pacatas em Oslo, na Noruega. Ambos são do norueguês Dag Johan Haugerud e integram uma trilogia que vem circulando nos festivais de cinema ao longo do último ano. O projeto, "Sex, Dreams and Love", ganhou os holofotes de vez agora que o terceiro capítulo, "Drommer" -sonhos, em português -, levou o Urso de Ouro de Berlim.

Além do cenário, o único ponto em comum entre os filmes é a estrutura, que sobrepõe duas histórias entre pessoas mais ou menos próximas. A lógica de díptico ajuda o diretor a montar um bate e rebate entre as tramas, que mergulham os protagonistas em turbilhões emocionais inusitados. Os longas constroem ritmos próprios na dúvida daquelas pessoas, que se veem impelidas a uma exploração de suas próprias identidades.

"Sex" é o mais engraçado da dupla que chega agora aos cinemas brasileiros, apesar de contar a sua história com maior rigor estético. O longa gira em torno de dois limpadores de chaminé que certo dia compartilham entre si segredos que abalam as suas respectivas heterossexualidades - e, por consequência, as suas famílias para lá de tradicionais.

Os casos tem um quê bizarro que já desperta gargalhadas no público durante a revelação. Começa com um dos limpadores admitindo ao outro que sonhou com uma figura divina, com rosto parecido com o do cantor David Bowie, e que se sentiu desejado como uma mulher por ela.

Enquanto o cara já se mostra um tanto perturbado pelo que viu no sono, o outro piora a conversa ao revelar que transou com outro homem, morador de uma das casas em que trabalhou. Mas o mais estranho é que ele defende a tese de que continua hétero, porque seu desejo foi apenas pontual, coisa da carne.

A situação então vira uma comédia rasgada, sobretudo na reação chocada do primeiro com a pulada de cerca do amigo e a recusa deste último em cogitar outra orientação sexual. O sonhador, em si, também não está longe na negação; ele confina o seu sonho com Bowie à alucinação, mas o encontro onírico insiste em se repetir no seu sono.

Toda a cena da discussão, que acontece no intervalo de um dos turnos da dupla, fascina ainda pela calma com a qual Haugerud conduz a câmera. Ele constrói o momento em longas tomadas sobre os rostos dos atores, o que aumenta a sensação de hipnose da narração de suas histórias.

Disso, o filme desenrola uma espiral da incerteza sobres esses homens diante de suas próprias figuras, mesmo que a inquisição interior seja travada pela insistência em fingir uma suposta normalidade. O da traição logo confessa o caso à esposa para garantir que a situação foi um incidente isolado, por exemplo, mas a mulher fica tão confusa quanto o seu amigo.

O humor seco explode a equação de "Sex" para todos os lados na história, e Haugerud é muito esperto em se divertir com o bizarro. Perto do fim do filme, ele converte uma cena de consulta médica em um desvio completo da trama, embalado por uma doutora toda biruta e um conto estranho envolvendo um de seus pacientes.

Se o sexo é um convite de Haugerud à comédia, o amor em "Love" tem um quê de melodramático. As tramas do filme giram em torno de uma médica oncologista e de um enfermeiro, que vivem rotinas íntimas opostas.

Ela, uma mulher heterossexual, sempre gostou de relacionamentos estáveis; ele, um homem gay, tem o dia a dia marcado por casos de uma noite só. Mas depois dos dois conversarem uma noite, durante uma viagem de balsa, o cenário se inverte. A doutora decide se aventurar por relações mais casuais, enquanto o enfermeiro se envolve com um cara de uma forma que passa longe do sexo.

O jeito como Haugerud amarra as duas histórias e o próprio ponto das tramas torna "Love" em um filme um tanto mais enfadonho que "Sex". Os arcos dos protagonistas repassam os pontos óbvios das relações contemporâneas - os tais amores líquidos do filósofo Zygmunt Bauman - e o sentimentalismo e a encenação se confundem na pobreza. Nos piores momentos, lembra o estereótipo do drama escandinavo, povoado por personagens de um país com IDH alto e rotina banal demais.

Ao espectador, é mais interessante pensar "Love" como uma continuidade das provocações mais instigantes de "Sex". Enquanto os sonhos de "Drommer" não chegam, a dupla forma um panorama confuso e intrigante, em uma boa definição do mundo em que vivemos.