Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Garimpando em telas hermanas

Una Quinta Portuguesa | Foto: Divulgação


Vai ter Bafici até domingo, sendo que sábado, o Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires anuncia quem vai ganhar seus prêmios, em diferentes categorias. Na quarta, o Brasil entra em campo na seleção arquitetada sob a direção artística de Javier Porta Fouz com "O Último Azul", de Gabriel Mascaro, que ganhou o Grande Prêmio do Júri da Berlinale ao criar uma distopia contra o etarismo, apoiado no talento de Denise Weinberg e Rodrigo Santoro.

De terça passada até esta segunda (7), múltiplas produções ganharam status de cult nas telas da Argentina que se unem para o evento. Confira a seguir os achados mais comentados deste Bafici.

UNA QUINTA PORTUGUESA, de Avelina Prat (Espanha): Atuações comoventes de Manolo Solo e Maria de Medeiros asseguram lirismo a esta narrativa de delicados enquadramentos da diretora de "Vasil" (2022). A fotografia dionisíaca de Santiago Racaj aquece o clima deste enredo sobre recomeços. Nele, Fernando, um pacato professor de geografia, caiu num abismo sentimental após o desaparecimento de sua mulher. Sem rumo na vida, ele assume uma nova identidade e passa a trabalhar como jardineiro em uma vila portuguesa, onde faz uma amizade inesperada com o proprietário e entra em um mundo que não lhe pertence.

MINHA MÃE É UMA VACA, de Moara Passoni (Brasil): Escrito por Fernanda Frotté em duo com sua realizadora, esta produção vem arrebatando olhares pelo mundo afora desde o Festival de Veneza pela direção de arte de Isabel Azevedo e pela fotografia de Carolina Costa. Em sua trama, a jovem Mia espera notícias do paradeiro da mãe. Longe da proteção materna, a menina é deixada aos cuidados da tia, imersa na paisagem mítica do Pantanal. Sob a ameaça de onças e queimadas, ela descobre que o amor pode se manifestar de maneiras inesperadas.

TOM'S 2ND SUICIDE, de Karni Haneman (Israel): Bem calçado na engenharia sonora de Ronen Nagel, este drama flerta com a finitude para celebrar a vontade de viver, amparado por um trabalho plural de sua realizadora, responsável também pelo roteiro e pela montagem. A ação se passa em 9 de março, o dia da tentativa anual de suicídio de Tom (papel da própria diretora). É também o momento em que Kobi (Adam Avidan) precisa enfrentar más notícias. O destino e um carro quebrado forçam os dois a embarcar em uma jornada surreal, com o objetivo de acabar com a vida de Tom.

BAJO LAS BANDERAS, EL SOL, de Juanjo Pereira (Paraguai): Sete anos depois da consagração de "As Herdeiras", nuestros Hermanos paraguaios voltam a se destacar no coração berlinense. Este documentário é um mosaico de exuberante montagem. Sua estrutura formal é uma reação à recordações latinas de 1989, ano da queda da ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner. Sua saída do Poder marcou o fim de um dos regimes autoritários mais duradouros do mundo. Isso também levou ao abandono dos arquivos audiovisuais que haviam consolidado seu comando. Esse material, criado para moldar uma identidade nacional e celebrar um regime de direita, foi deixado para desaparecer da memória. Juanjo cuidou para evitar esse destino.

PAYING FOR IT, de Sook-Yin Lee (Canadá): A genial atriz de "Shortbus" (2006) se estabelece como diretora, filme a filme, consagrando sua verve autoral com esta adaptação da graphic novel 'Pagando Por Sexo", de Chester Brown. Nos anos 1990, o próprio Chester (vivido por Dan Beirne) e Sonny (Emily Lê) vivem um namoro nas raias do casamento, assombrados pelo tédio. Quando ela decide redefinir a vida, com a proposta de um relacionamento aberto (onde pode transar com os homens que deseja), ele passa a sair com profissionais do sexo e descobre uma nova (e picante) forma de intimidade. Sook-Yin dirige com elegância uma história sobre amor, sexo e não-monogamia que discute a prostituição com lirismo.

PAI NOSSO - OS ÚLTIMOS DIAS DE SALAZAR, de José Filipe Costa (Portugal): Num exercício de sutileza, o diretor do crocante "Prazer, Camaradas!" (2019) se embrenha pela ficção a fim de narrar o calvário do líder luso António de Oliveira Salazar (1889-1970), com Jorge Mota no papel do estadista. Existe sátira no engenho dramatúrgico do roteiro escrito pelo cineasta com Letícia Simões e Daniel Tavares, numa reconstituição dos delírios salazaristas na reta final de sua vida, já distante do Poder.

SLOCUM ET MOI, de Jean-François Laguionie (França): Um dos exercícios autorais de maior lirismo do animador por trás de "Louise En Hiver" (2016) e "A Viagem do Príncipe" (2019). A trama se passa no início dos anos 1950, às margens do Marne. Nessa ocasião, François, um garoto de 11 anos, descobre que seus pais estão construindo um barco no jardim da família, uma réplica de um famoso veleiro. O processo de construção da embarcação, visto pelo olhar de uma criança, abre deixa para o veteraníssimo cineasta (nascido em 1939) criar um painel das desilusões de sua geração.