Arquiteta de formação, a diretora valenciana Avelina Prat ultrapassou o Tratado de Tordesilhas que divide as posses espanholas das posses de Portugal no território cinéfilo da representação da cultura ibérica, pelas Américas, em sua participação no 26º Bafici. Deu ao Festival de Buenos Aires uma (arrebatadora) aula (decolonial) sobre identidades (as novas e as perpétuas), com um pé em Barcelona e outro na "terrinha", entre nossos patrícios, ao entrar (e brilhar) na disputa pelos prêmios da competição internacional do evento argentino com "Una Quinta Portuguesa".
Atuações comoventes do ator andaluz Manolo Solo e de Maria de Medeiros (a cantora, diretora e atriz lusitana que atuou em "Pulp Fiction") asseguram lirismo à narrativa. Os delicados enquadramentos da cineasta impressionaram as plateias portenhas.
A fotografia dionisíaca de Santiago Racaj aquece o clima deste enredo sobre recomeços. Nele, Fernando, um pacato professor de geografia (papel de Manolo), encontra-se num abismo sentimental após o desaparecimento de sua mulher, uma estrangeira, de origem sérvia. Sem rumo na vida, ele assume uma nova identidade, com um novo nome (Manuel), e passa a trabalhar como jardineiro em uma vila em Portugal, onde trava uma amizade inesperada com a proprietário, Amália (vivida por Maria), e mergulha em um mundo que não lhe pertence.
Realizadora de "Vasil" (2022), Avelina participa do Bafici ainda como jurada de um certame distinto daquele no qual concorre: a disputa de longas e curtos argentinos. Nesta entrevista, ela faz uma cartografia da produção cinematográfica da Espanha hoje.
Até que ponto a dimensão solitária de Fernando reflete a solidão ibérica?
Avelina Prat: Entendo a solidão como um sentimento universal, nunca pensei em uma solidão ibérica específica. A Espanha é vista de fora como um país em que as pessoas são muito sociáveis: família, amigos, muita vida na rua, nos bares. Mas a solidão é intrínseca a cada pessoa e, para mim, é bastante semelhante em qualquer lugar do mundo. A gente sempre se reconhece em personagens solitários em muitos filmes.
Assim como acontece em "Um Corpo Que Cai" ("Vertigo"), de Alfred Hitchcock, temos em sua "Quinta Portuguesa" pessoas que mudam sua identidade em nome do desejo, do (des)amor. Até que ponto esse vetor histórico cinematográfico orienta seu filme? Que lugar o amor ocupa no filme?
"Vertigo" não foi uma referência inicial ao escrever a trama do filme, mas depois percebemos as semelhanças, o que é fantástico. Há um mecanismo semelhante, não apenas na mudança de identidade, mas também no mistério de um personagem seguindo outro tentando descobrir e entender sua história.
Qual é o orçamento para filmar uma produção como essa? Quantos dias de filmagem? Quantas locações?
No total, incluindo as partes em espanhol e português, o orçamento é de aproximadamente 3 milhões de euros. Foram 33 dias de filmagem. Cerca de 30 locações. Parte das filmagens foi feita em Portugal (Ponte de Lima / Esposende) e a outra parte na Espanha (Barcelona).
De que forma "Una Quinta Portuguesa" se encaixa no contexto atual de produção na Espanha?
Curiosamente, dizem-me que é um filme diferente do que se vê normalmente no cinema espanhol, embora eu não saiba bem como definir o cinema espanhol. Sinto muita afinidade com o cinema de autor europeu em geral. Qual é a situação atual do cinema espanhol? No momento, ele está em um momento muito bom. Muito cinema está sendo produzido e, acima de tudo, com pontos de vista muito diferentes. Acho que isso nos dá muita riqueza.