Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Caio Horowicz: 'Todo trabalho é uma oportunidade de estudo'

Caio Horowicz, ator | Foto: Maju Magalhães

Tem uma sessão por dia do imperdível "A Batalha Da Rua Maria Antônia" (troféu Redentor de Melhor Filme da Première Brasil 2023) no Rio, às 19h15 no Estação NET Botafogo. Sua mirada nevrálgica sobre a ditadura militar, construída pela diretora Vera Egito em forma de planos-sequência em P&B, pega fogo sempre que Caio Horowicz está em cena, no papel de um agitador cultural.

Aliás, os últimos filmes de maior impacto - sob a crítica e sob o público - do ator paulista de 29 anos falam de resquícios do governo de farda que tomou o país de 1964 a 1985. O tema inflama "Zé", de Rafael Conde, e o nosso ganhador do Oscar, "Ainda Estou Aqui", fenômeno de bilheteria de Walter Salles, hoje no Globoplay. Caio se destaca nos dois, assim como assaltava nosso olhar em seu longa-metragem de estreia, "Califórnia" (2015), de Marina Person. Em sua projeção na disputa nacional do Festival do Rio, há uma década, o Correio da Manhã sentou-se do lado do presidente do júri do evento, o diretor de fotografia e cineasta Walter Carvalho, e, a cada aparição daquele jovem astro, ouvia o titã da luz sussurrar: "Esse cara é bom! Ele vai longe!". Não por acaso, deu a Caio o prêmio de Melhor Coadjuvante.

Formado pela USP, "esse cara", Waltinho Carvalho, virou "O" cara, já fez onze filmes e segue bombando nas telonas. Na entrevista a seguir, ele explica o que tirou de sua imersão nos Anos de Chumbo.

De que maneira a sua participação em diferentes filmes sobre a ditadura ampliou seu olhar sobre os 21 anos de regime militar no país?

Caio Horowicz: Todo trabalho é uma oportunidade de estudo. O "Zé", "Ainda Estou Aqui" e "A Batalha da Rua Maria Antônia" foram oportunidades de estudar, de pesquisar sobre esse período que foi tão fundamental, tão fundante na nossa História, tão traumático: a ditadura militar. São três filmes primos, com perspectivas um pouco distintas sobre o período. "Zé" e o "Ainda Estou Aqui" têm uma característica um pouco mais próxima, por retratar a história de uma família que é privada de viver com um ente querido, por conta da perseguição política. Já "A Batalha da Rua Maria Antônia" coloca o olhar sob o movimento estudantil e a repressão que ele sofria em um momento de virada, que era 1968, quando os movimentos de contracultura no mundo estavam efervescentes. O Brasil estava vindo na onda. A Maria Antônia era um centro de efervescência política e cultural da juventude de SP e do Brasil. Passaram por ali pessoas como Milton Nascimento e Chico Buarque, tocando nos bares da região. Tinha a faculdade de Filosofia e Letras da USP, tinha o Mackenzie, tinha a FAU. A Faculdade de Medicina ficava próxima. Era um centro onde estava sendo produzido pensamento político, pensamento cultural e a mobilização da juventude que sonhava com um futuro diferente pro país e pro mundo. Eu aprendi muito nesse processo.

O quê, por exemplo?

Aprendi que o processo da ditadura era tirar os estudantes do centro de São Paulo. Não à toa, depois da invasão da Faculdade de Filosofia e Letras, pela polícia e pelos estudantes do Mackenzie, surgiu a ideia de fazer a Cidade Universitária no Butantã, isolada do Centro. Era a forma para que a mobilização estudantil estivesse longe da população comum da cidade, sem representar nenhum perigo para o governo da ditadura. O projeto do Brasil sempre foi esse, né? Acordos e golpes e anistia.

De que maneira o processo com Marina Person em "Califórnia", há exatos 10 anos, talhou teu olhar para os encontros que teve depois com diretores de veio autoral?

Eu tive o privilégio de trabalhar com a Ma no meu primeiro trabalho de um longa, né? "Califórnia" foi um filme autoral, uma história muito preciosa pra Marina, e era uma direção que estava muito próxima dos atores. A Marina era uma diretora muito aberta, muito parceira, não à toa, somos melhores amigos hoje, depois de dez anos. Dali veio o termômetro de ter atuação como uma das prioridades do trabalho. Isso virou um parâmetro pra mim.

"A Batalha da Rua Maria Antônia" tira o fôlego das plateias com seu engenho narrativo. Como foi o trabalho com as/colegas em relação ao procedimento do plano-sequência?

A gente ensaiou muito esse filme. Foi, mais ou menos, um mês de ensaio. A Vera conseguiu montar um grupo de teatro para esse filme. No sentido de que a gente virou um coletivo muito azeitado, a gente se conhecia muito, conhecia muito o roteiro, a história, as personagens, o mapa do espaço que a gente ia filmar - o que era muito importante para o plano-sequência. Dois dias antes da filmagem, fomos para o set, que era na Secretaria de Justiça de SP, do lado do Pátio do Colégio, e o prédio era só pra gente. Ensaiamos com câmeras, equipe e figuração por dois dias e gravou tudo em duas semanas, o que é raro para o cinema.

Quais serão seus novos trabalhos nas telas?

Eu tenho "Isabel", que é um filme que gravei com a Marina Person e é dirigido pelo Gabe Klinger. O filme conta a história de uma sommelier de vinhos naturais que abre seu próprio bar de vinhos e vai se afundando num buraco e levando algumas pessoas com ela. Também tem o filme "O Rei da Internet", dirigido pelo Fabrício Bittar. Conta a história de um hacker brasileiro chamado Daniel Nascimento, e eu faço o amigo dele, o João. Tem outros projetos sobre os quais ainda não posso falar.