Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Nas franjas dos Lençóis Maranhenses

Marcelo Botta orienta os atores no set de filmagens montado na deslumbrante paisagem dos Lençóis Maranhenses | Foto: Felipe Larozza/Divulgação

É a hora e a vez do Maranhão (enfim) ocupar o circuito exibidor nacional, representado por suas muitas belezas naturais e por toda a diversidade de sua gente com a estreia de "Betânia". A produção arrancou aplausos da Alemanha em sua passagem pela mostra Panorama da Berlinale, em 2024, e entra em circuito a partir desta quinta-feira (24). A direção é de Marcelo Botta, um paulista de São Carlos que já dirigiu "Furo MTV" e "Adnet ao Vivo".

Numa visita aos Lençóis Maranhenses, em meio a entrevistas para a série "Viajo Logo Existo", o diretor se apaixonou pelo local e idealizou um projeto lá, chamado "Bramaica", sobre o fascínio daquela região por reggae, a ser filmado numa ponte Brasil x Jamaica.

Em meio à gestação dessa ideia, ainda não rodada, mas já em andamento, Botta conseguiu filmar com elenco 100% maranhense a saga de uma mulher (a Dona Betânia do título) que, aos 65 anos, passa por uma mudança, depois de enviuvar. A pedido das filhas, ela vai viver perto das dunas e se reinventa. Diana Mattos é a protagonista do longa-metragem e ganhou uma menção especial do júri da Première Brasil do Festival do Rio, em outubro, por sua atuação.

Numa conversa com o Correio da manhã em Berlim, Botta falou em "maranhensidade" ao se posicionar em relação às raízes geográficas de uma heroína outonal. O cinema internacional vem apostando cada vez mais em filmes sobre personagens em fase de madureza, já grisalhos. A tônica da Berlinale onde estreou "Betânia" debruçou-se sobre a relação de pessoas à beira dos 60 anos (ou mais velhas do que isso) com o tempo, com a vida. Esse é também um dos motes de seu filme, com sua protagonista de 65 anos às voltas com novidades. Seu olhar sobre a arte de envelhecer é tocante.

"Caso você olhe para algum registro das minhas festas de aniversário lá da infância, eu vou aparecer sempre do lado do meu avô nas fotos. Meu interesse por pessoas com mais de 60 anos sempre existiu, porque eu sempre olhei para elas como se fossem um poço de sabedoria", disse o diretor. "Rodando documentários, ouvindo pessoas nessa faixa, percebi como elas são jovens. Elas entram em outro processo com a vida e, depois que se aposentam, costumam experimentar o tempo de uma outra forma".

Depois de um longo trânsito por narrativas cômicas, Botta passa para o drama com elegância. "Eu fiz muita comédia na TV, até com a Tatá Werneck, dirigindo para a MTV e o Comedy Central, mas sempre soube que o meu negócio era o drama. Era fazer rir e chorar numa mesma história. Fui encontrar essa trama num povoado de 250 habitantes em Santo Amaro do Maranhão", explicou o cineasta. "Quero que a partir dali, por meio do filme, as pessoas conheçam a força do tambor maranhense, do Bumba Meu Boi".

A relação do Maranhão com o estilo musical celebrizado por Bob Marley encantou Botta, mas seu fascínio com aquele estado vai além disso.

"Não foi só o reggae, mas sobretudo as amizades que fiz em São Luiz e nos Lençóis, o que me atraiu para lá. Eu tinha um disco do Bob Marley que tocava sem parar na minha casa, isso era uma marca pra mim. Um dia fui fazer uma série no Maranhão, em 2018, e lá tocava muito reggae. Só que eu fui ouvindo mulheres incríveis, como Dona Maria do Celso, e fiquei encantado por aquele lugar, seu povo e sua cultura. Atravessei as dunas. Acabei voltando em 2019, 2020, 2021", disse o diretor. "Quis filmar lá contando com uma equipe majoritariamente maranhense".

O bonde brasileiro nas telas neste fim de semana ferve ainda no calor de "Serra das Almas", thriller à la Sam Peckimpah do pernambucano Lírio Ferreira. Sua direção demonstra que o vigor dos filmes de gênero nacionais não se limita só às veredas do terror, mas alcança também as franjas da ação, com Ravel Andrade em modo Javier Bardem num enredo de roubo de joias. Bruno Garcia é outro destaque da produção.