É tempo, enfim, de "Emmanuelle". A adaptação para os anos 2020 de um clássico da prosa erótica, celebrizado 41 atrás na forma de um filme campeão de bilheteria, chega ao Brasil esta semana na programação do 1º Festival de Cinema Europeu Imovision, golaço do distribuidor Jean Thomas Bernardini no empenho de mobilizar nossas salas com atrações do Velo Mundo.
Ganhadora do Leão de Ouro de Veneza de 2021 por "O Acontecimento", a escritora e cineasta Audrey Diwan, responsável por repaginar (e empoderar) uma personagem essencial às tramas de representatividade do desejo feminino, virá ao país nesta quarta para participar do evento. Sua programação se estende de 24 a 30 de abril de 2025 em diversas cidades brasileiras, com sessões de pré-estreia finalizadas com debates acompanhados pela claque de realizadoras/es, em Niterói, São Paulo, Brasília e Salvador.
Entre os convidados confirmados estão o alemão Tom Tykwer, que dará "A Luz" aos cinéfilos brasileiros; os franceses Frédéric Farrucci, diretor de "O Último Moicano"; e Morgan Simon, diretor de "Entre Nós, O Amor"; o cineasta Alexandros Avranas e a atriz Eleni Roussinou, da Grécia, representando "Síndrome da Apatia"; e o suíço Georges Gachot, um especialista na MPB, que volta às telonas com "Misty - A História de Erroll Garner". A delegação também estará presente nas duas noites de abertura do festival, em solo niteroiense (no Reserva Cultural), no dia 23 de abril, e em São Paulo, no dia 25.
Filme de abertura do Festival de San Sebastián, na Espanha, em setembro, "Emmanuelle" teve a sua primeira exibição pública em concurso pela Concha de Ouro, numa sessão inaugural em que deflagrou um debate sobre as buscas pelo prazer numa sociedade de radical vigilância. Audrey Diwan escreveu seu roteiro, estruturado em dupla com a também cineasta Rebecca Zlotowski. Depois de atrair os holofotes com uma discussão sobre o controle estatal sobre o corpo feminino a partir da criminalização do aborto, a diretora volta a provocar, agora com uma releitura, para tempos marcados por lutas pela equidade de género, do marco maior do soft porn, muitas vezes transmitido pela "Sexta Sexy" da Band. Seu olhar costuma ser definido por algumas vozes como um exercício de objetificação e por outras como necessário. É um clássico que celebra 50 anos em 2024. O empenho de Audrey foi criar algo distinto dele.
"Buscava discutir a forma como a sociedade contemporânea lida com a busca pela satisfação", disse a realizadora na conferência de imprensa do filme, onde confessou não ter visto por inteiro o "Emmanuelle" original. "Só vi 20 minutos. Entendi, logo de cara, que não faço parte do público que ele ambiciona encontrar. Eu tive mais interesse pelo livro (no qual se baseia), no impulso de trabalhar a linguagem cinematográfica do erotismo, que se estrutura sobre um conceito de sugestão, escondendo o que muitos querem mostrar. Se fosse uma questão de escancarar o sexo, eu iria esbarrar na pornografia na internet, que já cumpre esse papel. Há muitas definições de erotismo e tentei criar uma atmosfera em que as pessoas se olhassem, num estudo sobre observação".
Quem entrar no Ingresso.Com vai encontrar múltiplas sessões de "Emmanuelle" à venda, em diferentes salas da cidade, como o Cinesystem Botafogo, o Estação NET Gávea, o Estação NET Rio, o Kinoplex Fashion Mall e o Kinoplex Leblon. Nesta quinta, às 20h45, haverá uma exibição do longa no Reserva Cultural. Sábado, eles exibem mais uma, às 19h.
Ao falar em "livro", Diwan se refere ao romance homónimo publicado em 1967 pela franco-tailandesa Marayat Rollet-Andriane (1932 - 2005), conhecida como Emmanuelle Arsan. Esse best-seller vendeu milhares de cópias. Em 1974, o fotógrafo e escultor francês Just Jaeckin (1940-2022) estreou-se como cineasta agarrado à ideia de levar o texto de Arsan ao circuito da França. A adaptação audiovisual dele repetiu o êxito que a história dela teve na literatura, no mundo todo, a um ponto de ter somado 8,9 milhões de espectadores só nas salas francesas. Sua arrecadação mundial beira US$ 20 milhões, o que era uma fortuna para a época, abrindo uma franquia alimentada por seis outros longas-metragens e sete telefilmes. Esse fenómeno transformou a sua atriz principal, a holandesa Sylvia Kristel (1952-2012), numa estrela e num sinônimo de libido em tempos em que não se falava de sororidade.
"Quero retratar uma mulher que se olha no espelho e consegue amar o que vê", disse Diwan ao Correio da Manhã em San Sebastián.
Noémie Merlant (de "Retrato De Uma Jovem Em Chamas") é a estrela do "Emmanuelle" de Diwan. Na trama, que discute o empoderamento, a personagem é uma inspetora de qualidade a serviço de uma cadeia mundial de hotéis, que viaja a Hong Kong para inspecionar um complexo hoteleiro de luxo. O primeiro take dela na fita é uma metonímia sugestiva: uma imagem das suas pernas.
"Não é comum o cinema tratar uma mulher que se entrega o desejo sem impor o amor à sua história. Saímos desse lugar neste filme", disse Noémie ao Correio na Espanha.
No enredo de Diwan, a sua Emmanuelle trava numerosos encontros afetivos na Ásia, mas embarca numa espécie de investigação (do mundo a seu redor e de si mesma) ao conhecer o engenheiro Kei (Will Sharpe), um especialista na construção de represas que a ilude constantemente - um pouco com acontecia na adaptação de Jaeckin.
"Não fiz um filme que oferece respostas", disse Diwan.
Bernardini, o organizador do festival europeu, é o responsável pela criação de um streaming, o Reserva Imovision, que aproxima internautas do Brasil de produções egressas da França, da Itália, da Alemanha e de outras pátrias. Seu acervo deve crescer depois dessa maratona.