A fim de assegurar pluralidade geográfica em seu recorte das estéticas do Velho Mundo, a 1° edição do Festival de Cinema Europeu Imovision conta com uma grife autoral germânica que se consolidou na década de 1990: Tom Tykwer. Egresso de Wuppertal, o cineasta chegou ao Brasil com seu longa-metragem mais recente, "A Luz" ("Das Licht"), que inaugurou a 75ª Berlinale, em fevereiro. Sua escalação reflete o interesse da maratona cinéfila brasileira (concebida pelo distribuidor e exibidor francês Jean Thomas Bernardini) em celebrar a indústria alemã, que se encontra acossado por uma crise financeira decorrente da estagnação da economia de sua pátria. Tem sessão dele na sexta e no sábado, com novas projeções na segunda, em salas como os Kinoplexes São Luiz, Leblon e Fashion Mall, além de Cinesystem Botafogo, Rede Cinemark e Reserva Cultural de Niterói.
"Fazer um cinema refrescante para o olhar custa e arrumar dinheiro na Alemanha para filmar é difícil", disse Tykwer, que já dirigiu Tom Hanks, Halle Berry, Clive Owen, Dustin Hoffman e Hugh Grant no passado e, hoje, aposta num elenco de estrelas de sua nação em "A Luz". "Existe sempre o desafio de filmar sem ser kitsch", falou o diretor no Festival de Berlim.
Sua obra teve retumbância mundial durante o redesenho do audiovisual germânico na conversão do cinema analógico (em película 35mm ou 16mm) para o digital, na década de 1990. Os cults "Winter Sleepers - Inverno Quente" (1997) e "Corra, Lola, Corra" (indicado ao Leão de Ouro de 1998) fizeram sua fama. O novo exercício de sua autoralidade, "Das Licht", investigas as práticas de incomunicabilidade (e de privilégio social) de uma metrópole. Nesse drama com toques não realistas de musical, uma família se amontoa num apartamento a administrar mal suas desarmonias. O casal Milena (Nicolette Krebitz) e Tim (Lars Eidinger) lidera esse arranjo familiar, mas parece incapaz de ter prazer ou de manter uma interseção de olhares. Embora as complexidades do dia a dia distanciem seus integrantes, eles ainda preservam algum amor, mesmo incapazes de criar consensos sentimentais. A sequência em que comem macarrão na manteiga coletivamente traduz a incapacidade que todas aquelas pessoas têm em disfarçar seu enfado um com o outro. Quando passa a conviver com a síria Farrah (vivida por Tala Al-Deen), contratada como governanta, esse clã terá novas lições de empatia. O desempenho de Eidinger arrebatou elogios.
"Eu passei os últimos anos (desde 2016) dedicado à série 'Babylon Berlin', reconstituindo a vida sob a ótica do que os nossos antepassados, nossos tataravôs, viveram. Chegou uma a hora de ver como as crianças e os jovens adultos entendem o mundo", disse Tykwer, que arrebatou a Berlinale com a sequência de uma corrida de bicicletas que evoca a Nouvelle Vague francesa, com direito a perseguição policial sob a chuva. "Queria celebrar 'Jules et Jim' numa reflexão sobre o desejo".
Apesar de a Alemanha ter escolhido um filme iraniano ("A Semente do Fruto Sagrado", do qual foi coprodutora) como seu representante oficial ao Oscar 2025, ela atravessou 2024 emplacando seus talentos de prestígio nos grandes festivais internacionais e em circuito, como "Stella. One Life", "Cuckoo", "De Hilde, Com Amor" e "A Arte do Caos", que também integra o cardápio de Bernardini. A diversidade de gêneros, da comédia ao thriller, foi grande, atestando o vigor de seu cinema. De tudo o que se viu de lá no ano passado, nada ecoou tão forte quanto "Dying - A Última Sinfonia" ("Sterben"), de Matthias Glasner, com o já citado Eidinger. Estreou na Berlinale passada e saiu dela com o prêmio de Melhor Roteiro. É um longa que, ao lado de "A Luz", renova uma filmografia consagrada, sobretudo nos anos 1970, pelas vozes autorais de Wim Wenders, Volker Schlöndorff, Margarethe von Trotta, Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzog. Dos anos 2000 para cá, Maren Ade ("Toni Erdmann"), Christian Petzold ("Undine") e Fatih Akin ("O Bar Luva Dourada") se juntaram a esses medalhões, que, via Áustria, tiveram Michael Haneke (de "A Fita Branca") e Ulrich Seidl ("Paradise: Faith") como expoentes.
O 1º Festival de Cinema Europeu Imovision segue até 30 de abril de 2025 em diversas cidades brasileiras.