Gustavo Gelmini: 'É a zona de desconforto que me conforta'
Esgrimista do tempo e no espaço na dança, como coreografo e realizador de vídeos de cine-dança, Gustavo Gelmini tem pela frente, em sua escrita fílmica um... "Plano-sequência". O termo, que se refere a uma filmagem sem pontuações, de fôlego longo, dá nome ao novo projeto do multiartista por trás de espetáculos como "Casa", "Falta" e "Fauno".
Contemplada pelo Sesc Pulsar, a exposição híbrida feita por ele em duo com o catalão Sergi Arbusà está em gestação para estrar em 19 de outubro na galeria do Sesc Madureira. Fã de Wim Wenders e David Cronenberg, Gelmini aprendeu com eles que a verdade existencial vem do corpo, daí a tensão do físico e a tensão da geografia, numa aposta na força do subúrbio. .
Qual é a noção de espaço que o seu trabalho investiga? Que local Madureira ocupa nessa investigação?
Gustavo Gelmini: Plano-sequência é uma exposição que traz justamente a reflexão dos nossos deslocamentos espaciais internos e externos pelo movimento de corpos e por uma outra percepção de lugar. A galeria será dividida em três salas, para uma narrativa entre a minha obra de projeções de cinedança, trazendo corpos vulneráveis em suas potências, em parceria com Sergi Arbusà, artista catalão. Sua obra traz infláveis plásticos efêmeros que, inflados por ar, criam uma membrana monocromática na arquitetura do espaço interno da sala de exposição. O público é transportado através da experiência sensorial para um ambiente simultaneamente familiar e novo, como barreira de múltiplas realidades. Já a terceira sala será a união de nossas obras, buscando o efeito que procuramos, deslocando percepções entre espaços, de movimentos internos para movimentos externos, onde a linha entre eles passa a não mais existir. Com isso, queremos provocar no público a experiência de olhar de outra forma seus preconceitos e certezas, trazendo o ponto de vista da diferença. Realizar este trabalho no Sesc Madureira faz com que o projeto ganhe uma especial importância, tendo em vista que desloca a perspectiva de onde se espera ter uma galeria de arte na cidade. Hoje, por infelicidade, os centros mais periféricos se afastam da expectativa do centro artístico da cidade, associado normalmente à Zona Sul. Não à toa o trabalho terá parte de sua criação realizada em residência artística no Le Centquatre, um lugar de referência para a arte contemporânea francesa, e que fica justamente numa zona periférica de Paris.
Que caminhos a sua conexão com a dança toma nesse processo?
A minha dança é e sempre será uma dança periférica. É a zona de desconforto que me conforta. O que me atrai nessa dança é justamente o encontro com a potência de corpos que se permitem serem vulneráveis como afirmação e como forma de subversão dos lugares de poder.
De que maneia o cinema te equipa para essas investigações híbridas?
Nas minhas pesquisas, fui procurar a dança na história da formação do cinema justamente pela escuta do corpo, afinal, o cineasta Serguei Eisenstein (que consolidou o cinema como expressão artística) foi aluno do teatro corporal de Meyerhold e até mesmo o utilizou para a montagem rítmica de seus filmes. Ou seja, a dança e o cinema é um eterno retorno entre a pulsação do movimento e a emoção que ela traz ao público, para além de seus aspectos narrativos. Ou seja, quando estou coreografando uma peça estou editando, e quando estou editando penso em coreografia. Esses aspectos são indissociáveis. Em "Plano-sequência", essa relação inseparável ganha contornos espaço-temporais com a incrível obra de meu parceiro artístico Sergi Arbusà.