Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

No meio do caminho, há dois artistas

'Entre a Pele e a Alma', espetáculo da Cia. Focus de Dança, fará sua estreia com três apresentações no Theatro Municipal neste fim de semana | Foto: Renato Mangolin/Divulgação

A cada nova viagem, a trabalho ou passeio, o bailarino e coreógrafo Alex Neoral marca presença em museus e instituições culturais Brasil adentro e mundo afora. O artista leva-se de corpo inteiro para imersões que insere em seus vocabulários internos de criação.

Foi um impacto para ele se deparar com a célebre pintura do tríptico "O Jardim das Delícias Terrenas", no Museu do Prado, em Madri. Nela, o pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516) propõe olhar o corpo numa interpretação entre o sagrado e o profano, experienciando a mais absoluta liberdade, a partir da origem da humanidade, numa interpretação única.

Este é justamente o ponto de partida para a coreografia que escreveu para o espetáculo "Entre a Pele e a Alma", trabalho inédito que a sua Focus Cia de Dança estreia nacionalmente no Theatro Municipal nesta sexta-feira (28) em três únicas apresentações.

"Entre a Pele e a Alma" parte de Bosch mas vai além. A coreografia, de 75 minutos, envolve o infinito particular que habita Neoral, carioca de Botafogo e cidadão do mundo. A exuberância da estética do Carnaval (ele trabalha na direção artística de comissão de frente) está em cena. Outro traço marcante é a paixão de Neoral por música - ele é pianista amador. É em Ney Matogrosso que ele encontra a síntese de Entre a pele e a alma. Ney aceitou o convite sem titubear para interpretar a trilha original, composta por Sacha Amback e Paula Raia. João Pimenta, conceituado estilista de São Paulo assina os figurinos, alguns praticamente reproduzem os inconfundíveis figurinos de Ney Matogrosso ao longo de sua carreira. Para a criação do impactante visagismo, o renomado Fernando Torquato se junta ao time da ficha técnica, que já conta com Natália Lana assinando a cenografia do espetáculo, iluminado pelo designer de luz Anderson Ratto.

SERVIÇO

ENTRE A PELE E A ALMA

Theatro Municipal (Praça Floriano, s/nº - Centro)

De 28 a 30/6, sexta e sábado (20h) e domingo (17h)

Ingressos entre R$ 10 e R$ 80

 

Alex Neoral: 'Explicar o caminho da inspiração é desafiador'

Ney Matogrosso e Alex Neoral, parceria em 'Entre a Pele e a Alma' | Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Alex Neoral falou, com exclusividade, ao Correio da Manhã, sobre seu processo criativo:

Como você se inspira em obras tão diferentes?

Alex Neoral: Explicar o caminho da inspiração é desafiador. Há temas recorrentes que me levam a desenvolver meus espetáculos na Focus desde 2000, ponto de partida da companhia. Desde então são 27 coreografias! Agora, a pintura de Hieronymus Bosch motiva "Entre a Pele e a Alma". Em 2014, uni Cândido Portinari e a música de Chico Buarque em "Saudade de Mim". Em processo constante, a coreografia "Still Reich" parte da obra de Steve Reich, exuberante, para renovação constante. Em 2022, uma companhia no Canadá montou a coreografia com referência ao universo político. Percebe? A obra nasce e ganha o mundo, como filhos. Depois do espetáculo elaborado, vejo conexões, pontes entre uma e outra, mas no furacão do ato criativo é praticamente impossível. Sou louco por museus. A pintura do Bosch, depois de algumas visitas ao Museu do Prado - a última em 2023, traz tantas questões para os dias atuais. Mas o que me move é o século XVI, tudo o que cerca aquele momento, pesquiso muito e veio a oportunidade de celebrar também o Carnaval, que é uma das honras da vida fazer parte, e o Ney Matogrosso, que canta na trilha original. Significa muito, muito, muito. No início do ano tirei férias depois do Carnaval e voltei à Florença. É como um retiro espiritual (risos): estive na Galleria degli Uffizi e Galleria dell'Accademia. A literatura e a gravidez das palavras sempre me entregam inspiração. "Vinte", de 2020, sobre Clarice Lispector, traz essa chancela. Sou apaixonado e contaminado por todas as experiências desde sempre. Comecei a dançar aos 15 anos. São 30 anos contínuos de trabalho, viagens constantes Brasil adentro e mundo afora, dou aulas em Washington. Sem contar o Carnaval, nos trânsitos que me levaram à comissão de frente agora da Unidos de Vila Isabel, com o mestre Paulo Barros.

Qual das obras já montadas pela Focus te tocam, se aproximam de você?

Todas me levam nelas. Desde 2018 sou exclusivamente diretor artístico. O que me leva a um momento também de muito prazer na criação, plena disponibilidade para ainda mais envolvimento com a dança. É indissociável na atualidade (daqui a uma semana comemoro 45 anos de vida) reconhecer a Focus antes e depois do patrocínio oficial da Petrobras. Temos uma sede incrível na Praça Tiradentes, os bailarinos são contratados (como nas principais companhias do mundo). Temos a estabilidade para fazer até 100 viagens por ano... é uma mudança de paradigma para o artista de dança contemporânea.

Dos grandes ballets qual você gostaria de ter criado?

Sou movido a trabalho. É so perguntar aos meus bailarinos, às coreógrafas que me dirigiram (aliás, "Carlota - Focus Dança Piazzolla", estreia dia 4 no Sesi da Avenida Paulista; estreou em 2023, eu homenageio às grandes mulheres coreógrafas que pontuaram minha vida e trago a obra portenha de Piazzolla para encadear o espetáculo). Um dia, pretendo trazer para a dança contemporânea da Focus Cia de Dança "Romeu e Julieta", de William Shakespeare. O balé de Sergei Sergeyevich, de 1940, está no radar.