As bailarinas Laura Samy e Alice Poppe estão em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto com "Cravo", espetáculo criado originalmente para o audiovisual durante a pandemia, quando o isolamento social imposto pela Covid-19 isolou indivíduos em suas casas. Curiosamente, foi o isolamento que aproximou esses dois nomes respeitados na dança contemporânea. Este é o terceiro trabalho proveniente do encontro das duas artistas que vem em processo criativo desde maio de 2020.
Laura e Alice construíram carreiras longevas na dança, tendo trabalhado com grandes coreógrafos e encenadores. Elas se admiravam, mas nunca haviam atuado juntas. Em 2020, diante das incertezas do "novo normal", criaram não um, mas dois projetos. O mais recente deles é "Cravo", criado em 2021 e originalmente pensado para ser filmado, numa parceria que incluiu o cineasta Cavi Borges e o diretor de fotografia Fabrício Mota.
A proposta, que une ainda a trilha sonora de Sacha Amback à iluminação de Paulo César Medeiros chega agora ao palco três anos depois de ser concebido.
"Em 'Cravo', eu e Laura revisitamos figuras de nosso solos 'Máquina de Dançar' e 'Dança Macabra'. Nos sentimos instigadas a tecer novas narrativas pelo gesto em comum de debruçar-se sobre nós mesmas. Agora, as duas figuras avançam lado a lado, movidas pelos sentidos de luta, sonho e memória que cada uma constrói enquanto avançam. Debruçar sobre si restituí o corpo como escuta e o remete ao espaçamento irredutível de seus contornos", diz Alice Poppe.
A pesquisa de movimento e a sua relação com o espaço dão a tônica nas trajetórias das duas dançarinas. Algo construído em experimentações cujos resultados contaram com o olhar de grandes nomes, como Angel Vianna (com quem Alice Poppe trabalhou anos a fio), João Saldanha (com quem ambas trabalharam) e, no caso de Laura Samy, o diretor teatral Enrique Diaz.
Cada novo trabalho parte de uma premissa aberta também a outras linguagens artísticas. O cinema, por exemplo. "Cravo" tem na sua gênese influências de clássicos da sétima arte, assim como dos diretores que lhe deram vida. Inspiradas em clássicos da música, da literatura e do cinema, a estrutura tenciona a tradição e o contemporâneo sob a espacialidade rítmica da lente da câmera.
Alguns exemplos são "Martha" (1973), do alemão Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) e "Repulsa ao Sexo" (1965), de Roman Polanski, entre outros. Uma inspiração ligada ao cinema, mas que abarca também a fotografia, é a do norte-americano Man Ray (1890-1976), que revolucionou a relação da câmera com o objeto retratado.
Outra referência a se considerar neste trabalho é a do dramaturgo irlandês Samuel Becket (1906-1989), cuja peça "Dias felizes" também pautou a proposta do espetáculo.
O roteiro é dividido em oito movimentos - ou quadros. O primeiro é o prólogo, seguido pelas demais cenas. As demais cenas são compostas por solos e duos. No caso desses últimos, o público tem diante dos olhos quadros nos quais os gestos conversam, provocando também contradições entre eles, num resultado vívido e visceral.
Da década de 1990 para cá, ganhou força o conceito de teatro-dança, impulsionado por propostas como as trazidas pela coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009).
A relação entre público e plateia mudou. Laura Samy e Alice Poppe foram do palco ao audiovisual e voltam agora à cena, seu habitat natural. E a junção dessas duas artistas só pode resultar em algo instigante.
SERVIÇO
CRAVO
Espaço Sérgio Porto (Rua Visconde Silva, snº, Humaitá)
Até 21/7, sextas e sábados (20h) e domingos (19h)
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia)