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A sagração da vida

A coreógrafa Deborah Colker pensou a dramaturgia do espetáculo a partir da poesia presente em mitos e teorias que pensam a existência da vida em nosso planeta | Foto: Flávio Colker/Divulgação

Após elogiada temporada em São Paulo, a companhia de Dança Deborah Colker retorna ao Rio para estrear, nesta sexta-feira (19) na Cidade das Artes, "Sagração", o novo espetáculo de seu autoralíssimo repertório. Na obra que celebra o trigésimo aniversário da companhia, a música clássica de Stravinsky encontra ritmos brasileiros no espetáculo inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo.

O processo criativo de "Sagração" durou dois anos e meio. O espetáculo é uma livre adaptação de "A Sagração da Primavera", obra composta pelo russo Igor Stravinsky (1882-1971), que ganhou projeção mundial pela montagem estreada em 1913, com coreografia de Vaslav Nijinsky (1889-1950). A composição é considerada revolucionária por introduzir estruturas rítmicas e harmônicas nunca antes utilizadas em partituras.

"Quando decidi recontar esse clássico, pensei que teria de ser a partir da cosmovisão de povos originários do Brasil", lembra Deborah, que também é pianista. "Stravinsky foi responsável por pontos de ruptura e provocação entre o erudito e o primitivo. 'A Sagração da Primavera' representa esses pontos de evolução da humanidade".

Foi numa viagem para o Xingu, durante o Kuarup, e no encontro com as aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro, que Deborah conheceu Takumã Kuikuro. O cineasta lhe contou como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.

"Tudo só poderia ter começado com uma mulher. Uma avó. A avó do mundo", conclui Deborah, que, com a assessoria do rabino Nilton Bonder, revisitou a mitologia judaico-cristã. Do livro "Gênesis", as passagens sobre Eva e a serpente e também Abraão ganham cenas que destacam momentos de ruptura. "São dois mitos que elaboram sobre a consciência humana: pela autonomia de uma mulher que desperta para caminhos interditados e transgride; e de um homem que sai da sua casa e cultura em direção a si mesmo", destaca Bonder. Além das alegorias bíblicas, a coreógrafa também

buscou referências na literatura científica.

"A versão mais recente da nossa espécie é a Homo sapiens sapiens que, assim como outros seres, precisa se adaptar constantemente", pontua Deborah, destacando a presença das personagens que representam bactérias, herbívoros e quadrúpedes no espetáculo. "Nossa dramaturgia é feita da poesia presente em mitos e teorias que pensam a existência da vida em nosso planeta". A coreógrafa, em parceria com o diretor musical Alexandre Elias, introduziu à partitura instrumental de Stravinsky a sonoridade pujante das florestas e ritmos brasileiros.

Boi bumbá, coco, afoxé e samba foram introduzidos à criação de Stravinsky. Aos acordes de instrumentos de orquestra, o diretor musical adicionou flauta de madeira, maracá, caxixi e tambores. Os paus de chuva também entram em cena no arranjo executado ao vivo pelos bailarinos.

SERVIÇO

SAGRAÇÃO

Cidade das Artes (Av. das Américas, 5300 - Barra da Tijuca) | De 19/7 a 10/8, quintas e sextas (21h), sábados (19h) e domingos (18) | Ingressos a partir de R$ 19,80