Por:

FotoCrônica: Contas um conto?

FotoCrônica 12/7/2024 | Foto: Carlos Monteiro

(...continuação)

Vários dias depois chego tarde da noite, momento exaustivo de trabalho, abro a porta e me deparo com um Frajola me olhando sério, cara de quem caiu do caminhão de mudança, em volta vejo uma sala com sofá, poltronas, mesa e cadeiras, luminárias e quadros. Até tapete e cortina tinha. Assustado, fecho vagarosamente a porta para não dar sinal que havia 'invadido' o apartamento alheio. Estaria ficando louco? Olhei o número na porta. Conferia com o meu; estava lá: '802', mas 'peraí' eu não tenho móveis, muito menos gato. Teriam invadido meu imóvel?

Me enchi de coragem, chave na porta e novamente o Frajola agora com cara de poucos amigos, tinha alguma coisa de cão de guarda ali, não sei se era poliglota, mas que ele rosnou, ah, ele rosnou e alto. Resolvi não encarar. Essa história de "gato que mia não arranha"... vai que ele não conhece o aforismo. Essa agonia levou uns cinco ou seis minutos. O prédio não tinha vigia, era tarde para bater no apartamento da síndica, talvez chamar Buscas e Salvamentos fosse uma solução. Preferi descer e tomar uns chopes no boteco da esquina. Horas tantas, como sempre expressava meu querido Carlos Leonam, com sono, cansado e meio bêbado, supus duas soluções: a redundância de 'encarar de frente' o problema ou dormir no carro, na garagem do prédio. Vai que era só uma alucinação de estresse. Vai que não tinha nada em casa.

Subi, abri a porta e lá estava o Frajola. Os chopes o transformaram-no. Agora era o Lion-O dos Thundercats. De alvinegro ficou azulado com os cabelos em fogo. Tomei a pouca coragem que ainda me restava e fui em direção a cozinha de onde vinha um saboroso aroma de carne assada. Ignorei o 'Gato The Cat', deveria ser uma alucinação, no caso, uma alucinagato. O chope do 'bunda de fora' não era lá muito confiável, as sardinhas mumificadas da estufa, as moelas ao molho juntamente com os ovos coloridos da vitrine... praticamente um ácido psicodélico.

Vagarosamente me aproximei do espaço gourmet e, silenciosamente, acompanhado pelo 'Frajola-Lion-O' dou de cara com a minha amiga de avental, travessa na mão e a pergunta-olho de qualquer entrevista:

— Pô cara, tu demorou hein?! Tá trabalhando demais! Fiz um jantar para gente em comemoração à minha estada por cá.

Ficou por seis meses. Fiquei amigo do Frajola que na verdade se chamava 'Gaveta', vai saber o porquê. Preferia dormir nos meus pés aos dela. Devia ser a preguiça insana que tinha. Imagina escalar aquela cama. Pular no colchão, ao rés do chão, era bem mais prático.

Zero hora no relógio. A vida tem dessas coisas...